Acho muito difícil alguem não conhecer (ou ao menos nunca ter ouvido falar em) Virgílio. Poeta latino, Publius Virgilius Maro é considerado (ao lado de Horácio e Ovídio) o maior dos escritores latinos, e sua poesia é modelar. Camões se baseou em Virgílio ao compor seu Os Lusíadas, e Dante faz uma grande homenagem ao poeta em sua Divina Comédia. Escolhi Virgílio para o Desafio Literário de Março justamente por ser esse escritor um modelo, e escolhi Geórgicas e não Eneida (que está como bônus do mês) pois costumo resenhar alguns "clássicos" pelo seu livro menos conhecido. Assim foi com Camus (primeira resenha: A Queda), Lindanor Celina (A Viajante e Seus Espantos), Thomas Mann (Tônio Kroeger), Machado de Assis (Memorial de Aires) e assim por diante.
Agora, uma coisa é importante dizer: Geórgicas NÃO É UM LIVRO ÉPICO, mas isso não tinha como eu saber antes da leitura do livro. Embora o livro seja construido em uma estrutura de poema épico (grandes poemas divididos em cantos), possua uma Invocação, Dedicatória e Epílogo, e há nessa obra a questão da busca pela identidade, assim como a descrição da natureza e dos mitos locais; falta em Geórgicas um elemento fundamental da épica: um Heroi (apesar de no 4º canto haver uma narrativa proto-épica contando a história de Orfeu).
Então vamos à obra! Geórgicas é um livro didático (para a época romana), onde fala dos campos, da natureza, dos métodos de colheita, da história da agricultura e das superstições religiosas envolvendo a zona rural. Algumas passagens são curiosas como:
Dias bons, e outros maus, traz o variar da lua.Dentre os quatro livros (ou cantos) o mais interessante com decerto é o 4º, onde Virgílio fala de abelhas. A temática pode parecer banal, mas a poeticidade é singular. No 4º livro também há uma espécie de narrativa sobre Orfeu.
Evita sempre o quinto a qualquer obra tua:
nasceram nele o Orco, e as Fúrias; nele a Terra
deu à luz contra os céus, prenhe de infanda guerra, [...]
O décimo, e após ele o sétimo, é de estreias:
bacela; amansa bois; enliça o ordume às teias.
A edição que possuo é bem antiga (o liv ro mais antigo que possuo). Trata-se da Edição Clássicos (Vol. III) da W.M.Jackson Editores, e data de 1949. A tradução é de António Feliciano de Castilho, e ao que me consta está em Domínio Público (Castilho morreu no século XIX). Apesar dos textos gregos e latinos clássicos não possuirem rimas, as traduções normalmente são rimadas, e a tradução de Castilho é composta toda em rimas emparelhadas (AA,BB,CC,DD e etc...). Castilho também optou pelo Alexandrino (verso de 12 sílabas), levando-se em consideração que a métrica latina é diferente da métrica portuguesa.
Geórgicas é um bom livro, mas não mostra todo o potencial de Virgílio, nem justifica sua influência em toda a cultura ocidental. Isso provavelmente só vai ser justificado com a leitura de Eneida.
Essa resenha faz parte do Desafio Literário. Para conferir a minha lista do desafio clique aqui. Para conferir a lista de Março Clique aqui.
Nota do Elaphar: 8,3
Edição Lida:
VIRGÍLIO. Geórgicas & Eneida. Trad: António Feliciano de Castilho & Odorico Mendes. São Paulo: W.M.Jackson, 1949, 391p
Eu nunca havia ouvido falar desse autor e tão pouco nesse livro :$.
ResponderExcluirEu gostei, e fiquei com um pouquinho de inveja ( inveja boa tá! rsrs), porque essa me apareceu ser uma leitura difícil, porque como você disse seu exemplar não tão atual, então acho que a pessoa tem que ter muito cacife para conseguir lê-lo, o que tenho certeza que é seu caso.
Parabéns, ótima resenha ;)
Beijos
Lully - Acho muito incomum alguem nunca ouvir falar de Virgílio (embora muitos não conhecem as Geórgicas), pois como falei, é um modelo de épico, e serviu de inspiração para Dante (A Divina Comédia) e Camões (Os Lusíadas).
ResponderExcluirDe fato, Virgílio é uma leitura bem difícil, primeiro por ser um texto do período áureo do Império Romano, segundo por ser uma tradução portuguesa de mil oitocentos e alguma coisa, e terceiro pela edição antiga. Apesar da dificuldade, é uma lírica bastante divertida (em algumas partes).
Eu so' conhecia a obra Eneida de Virgilio e pelo trechinho do livro que postou, acho que deve ter sido muito agradavel ler com rimas emparelhadas. Sua resenha e' muito boa. Parabens.
ResponderExcluirA cada vinda, uma senhora aula! Eu, particularmente, amo quando o livro transpõe as questões de gênero. Entre o gênero e a literatura há muito mais do que supõe a nossa limitada filosofia. Talvez em Geórgicas, Virgilio tenha cruzado a fronteira que o separa das prisões do gênero. Bem, eu não entendo de teorias literárias, é apenas a opinião de uma neófita.
ResponderExcluirComo sempre é muito bom vir aqui.
Beijocas
O máximo de Virgílio é precisamente as "Geórgicas" e não a "Eneida". Isto porque, na "Eneida", o enredo é mais que conhecido, desembocando no fim trágico de Turno e na inexorabilidade da missão fundadora de Eneias; enquanto que, nas "Geórgicas", a trama não é tão óbvia como parece, sendo improvisada, sobretudo quando chega ao mito de Orfeu, no Livro IV. Logo, sem dúvida que as "Geórgicas" é a maior obra-prima de Virgílio, finalizada na sua totalidade e não parcialmente terminada como a "Eneida".
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