Quando planejei resenhar o ciclo de óperas de Wagner, imaginei que iam me atacar, mas aparentemente isso não aconteceu (ainda). Acho que antes de falar da mais impressionante obra dramático-literário-musical do romantismo alemão (a segunda parte do ciclo O Anel dos Nibelungos), devo prestar alguns esclarecimentos. Em primeiro lugar, a rigor, nenhuma das obras do ciclo (ou série, se preferir) do Anel dos Nibelungos é épica, lírica ou drama, ao mesmo tempo que é todas as 3. Por um lado, a obra foi escrita para ser encenada (Drama) e o narrador se apaga (Drama), por outra, a obra é feita em versos ao estilo épico (Épica) e a música assume o papel de narrar os acontecimentos, o que faz com que o narrador não se apague tanto como no drama, o que o aproxima do gênero épico. Apesar do desfecho trágico de algumas partes da obra (como o fraticídio de Fafner, a morte de Siegmund ou a Imolação dos Deuses), outras representam conquistas heróicas (como a vitória de Siegfried contra o Dragão). Das 3 características que disse em um post anterior, todas se encaixam perfeitamente nessa obra. Lembrem-se também que as primeiras obras épicas foram feitas para serem cantadas, e o maior épico medieval alemão (Nibelungenlied) leva o nome Canção (Lied) e conta a mesma história, de forma diferente.
Há outras questões a tratar, dentre elas, o fato de eu já conhecer de longa data a música e a história, entretanto, nunca havia lido o texto literário (sob a forma do Libretto). De qualquer modo, estou dentro da proposta do desafio, pois nunca havia lido o libretto. Isso me deixou um pouco decepcionado, pois a parte musical da obra é muito superior à literária (se um wagneriano ouvir isto estarei morto amanhã mesmo). E por fim, os librettos dessa obra são extremamente curtos, em contrapartida, são profundos e devem ser analisados e interpretados junto da música. Além do mais, os libretos estão em ALEMÃO (disponível gratuitamente aqui), mas há uma tradução em portugues aqui, que peca em poeticidade. Por isso, estou lendo a partir do inglês (está no meu celular) com consultas breves em alemão. Apesar do que as pessoas dizem, alemão não é tão difícil, e a prova está aqui.
Die Walkürie (As Valkírias) é o inicio da obra propriamente dito. Enquanto Das Rheingold introduz falando sobre a história do Anel, a maldição de Alberich entre outros pormenores, Die Walkürie foca-se na história dos Volsungas (Wälsung no original, filhos de Wotan disfarsado como Volsa [Wälse] ) e da Walkíria Brünnhilde. A obra se inicia com uma narração orquestral (Prelúdio), e dá-se o encontro entre Siegmund e Sieglinde, que são irmãos gêmeos (embora não saibam disso). Há na primeira cena um caso raro nas óperas wagnerianas, onde uma cena contém apenas dois personagens.
Na segunda cena aparece Hunding, que é esposo de Sieglinde e futuro corno. Há uma relação bastante amistosa antre Siegmund e Hunding, pelo menos à primeira vista. Siegmund conta sua história, e como veio parar lá, e Hunding percebe que Siegmund é seu inimigo. Há uma certa tensão no ar (isso pode ser percebido pela música). A narrativa de Siegmund é muito legal, apesar disso, Hunding o chama para um combate (pois são inimigos), mas, apesar de tudo, o deixa ficar a noite em sua casa, pois ofereceu sua hospitalidade, e não pode faltar com sua palavra. Vocês já leram uma piada sobre os tipos de cornos? Não lembro direito, então, se alguem souber o tipo de Hunding, postem nos comentários e ficarei grato.
A terceira cena do primeiro ato é simplesmente uma das melhores cenas que já vi em uma obra dramática, chegando bem próximo de muitas cenas shakesperianas e quase se igualando à primeira cena do último ato desta mesma obra. Nela há o Monólogo de Siegmund (esqueci de avisar que o heroi não lembra o próprio nome), onde nosso heroi lembra da promessa de seu pai Volsa (Wotan, Wälse ou qualquer outro nome) de lhe dar uma espada quando estivesse precisando mais. Além do Monólogo de Siegmund, na terceira cena Siegmund lembra seu nome (e ganha uma identidade), toma sua irmã por esposa e pega a espada de seu pai, que estava cravada (algo similar ao rei Arthur não?). A terceira cena do primeiro ato de Die Walkürie é também uma das mais líricas, tanto no Monólogo de Siegmund quanto no poema de amor de Sieglinde (Du bist der Lenz,/nach dem ich verlangte/in frostigen Winters Frist./Dich grüßte mein Herz/mit heiligen Grau’n,/als dein Blick zuerst mir erblühte.[...]). É aqui que estão algumas das principais modificações wagnerianas para o mito, sendo que, em Wagner, Siegfried é filho desse relacionamento incestuoso.
Em seguida (no segundo ato) segue o verdadeiro drama. De forma bem rápida, no ato há o diálogo entre Wotan e Brünnhilde (ô nome difícil de escrever), onde o deus pai revela seus planos. Brünnhilde é a valkíria preferida de Wotan, e lhe dá a missão de matar Hunding (as valkírias são responsáveis por decidir os conflitos, escolhendo quais combatentes irão morrer e leva-los para o Walhalla). A esposa de Wotan (Fricka, deusa protetora dos matrimônios) aparece e impede os planos do deus pai, obrigando-o a proteger o casament de Hunding e Sieglinde e matar Siegmund. Contrariado, mas obediente, ordena então que Brünnhilde deve matar Siegmund. Esta cena não é tão poética quanto a anterior, mas musicalmente é muito mais poderosa e exagerada (característica de Wagner). Aparece aqui pela primeira vez o grito de guerra das valkírias (Hojotoho! Heiaha!). Em contrapartida, a parte narrativa desta cena é muito importante, o que me esclareceu alguns pontos que não conhecia da versão wagneriana do mito (valeu DL! Vi como é importante ler as obras aqui). Ainda no mesmo ato, acontece a fuga dos Volsungas, onde Sieglinde se considera um estorvo e possui a premonição de que Siegmund será dilacerado no combate, enquanto Siegmund está confiante pois possui a Notung (espada que ele pegou mais acima). Brünnhild aparece para Siegmund informando que ele a acompanhará em breve (isso é, morrerá), e Siegmund a convence de matar Hunding. Brünnhilde aceita, pois, acha que a vontade do pai é essa e está preparada para desobedecer ao pai para cumprir sua vontade.... entretanto, quando está preparada para agir (após a chegada de Hunding na quinta cena) aparece Wotan cheio de raiva quebrando a Notung e matando seu filho pessoalmente. Brünnhilde foge com Sieglinde (se seu filho na barriga) enquanto Hunding morre, após o despreso de Wotan. Esse ato é dinamicíssimo, acontecendo a maior parte da ação.
E vem o terceiro ato, que inicia-se com uma das músicas mais famosas da história, esta:
A Cavalgada das Valkírias é simplesmente sensacional, o que esplica sua popularidade. As valkírias estão carregando os herois mortos em combate, e procuram por Brünnhilde, que surge desesperada carregando Sieglinde. A voz de Brünnhilde é impressionante, e novamente recomendo a gravação de Herbert von Karajan da Filarmônica de Viena. As valkírias se recusam a ajudar Brünnhilde, pois não podem desobedecer Wotan, mas aceitam esconder Sieglinde (na verdade, Sieglinde foge sozinha, sob ordens de Brünnhilde para próximo de Fafner, onde Wotan não pisa. As valkírias aceitam apenas ficar de bico fechado) e até tentam proteger Brünnhilde quando Wotan chega, mas nada pode salvar a valkíria preferida. É interessante mencionar que Brünnhilde escolhe o nome do filho de Sieglinde (Siegfried).
Wotan chega irado e discute com Brünnhilde, que tenta dizer que fez a vontade do deus pai, agind contra as suas ordens. Como Wotan deve punir sua filha, pune-a transformando-a em mortal (soam gritos de protesto das outras valkírias) e com a famosa roda de fogo eterno que só pode ser atravessada pelo mais bravo dos homens (esse castigo surge de uma negociação de punição). Há por fim a despedida do deus Wotan, que em seguida ordena a Loge para que erga a barreira de chamas e termina com a dramática fala: "Wer meines Speeres/Spitze fürchtet,/durchschreite das Feuer nie!" [Quem o fio de minha lança teme, pelo fogo nunca passará].
A história segue então a partir da próxima ópera que chama-se Siegfied (e estou quase terminando de ler). Talvez demore um pouco para postar a ultima parte (Götterdammerung), pois tenho outras coisas para ler (muitas), mas provavelmente termino até o ultimo dia do mês. Esse livro é bônus do DL, e foi feito em decorrência do tema de Março. Clique aqui para ver a página de Março.
Nossa, me transportei para a platéia dessa ópera. Que grandiosidade. A Calvagadas das Valkírias é coisa de louco. E compreender um pequena parte do seu contexto muito me alegra. Obrigada por compartilhar essa leitura fascinantes conosco. Excelente!
ResponderExcluirBeijocas
Não consigo me ver lendo esta obra, mas confesso que com sua resenha não vou deixá-la de lado.
ResponderExcluirBeijocas
Olá.
ResponderExcluirAchei sua escolha muito pertinente e a mais próxima do gênero épico entre todas as escolhas que pude conferir no Desafio Literário 2011.
Gostaria de convidá-lo para fazer o texto de encerramento do Desafio deste mês, topa?
Preciso do seu e-mail para mandar as informações e formalizar o pedido.
Sobre a resenha, achei muito bacana. Eu sempre quis ler O Anel dos Nibelungos, é uma história que me fascina. Infelizmente ainda não encontrei a edição perfeita - o que não é motivo, mas enfim - e não tive tempo para ler nehuma das edições disponíveis...
Ola a todos
ResponderExcluirDesejo muita paz e felicidade a todos.
Depois de ler a historia toda, poderiam me ajudar responder estas questoes:
1. Qual é a verdadeira messagem contida nesta Historia?
2. Que efeito tem sobre o homem atual?
3. Por que se dissipam estas imagens míticas na atmosfera etérea das costas do Pacífico?
4. Que representam as Donzelas do Reno e a massa de ouro ilumina a água?
5. Que representam Albérico e o ouro em seu estado rude sobre a rocha?
6. Que era necessário a Albérico para formar o anel de ouro e conquistar o mundo?
Fico aguardando a vossa amavel resposta.
Um abracao
jsifernandes40@yahoo.com