domingo, 28 de novembro de 2010

Memorial de Aires - Machado de Assis

Acho que demorei de mais para falar de Machado de Assis pela primeira vez (o desafio 10 livros em 10 dias não conta), e ainda por cima resolvi falar de Memorial de Aires, que simplesmente é um dos livros mais desconhecidos desse autor. Acho desnecessário falar do autor, que deve ser conhecido de todos (exeto o fato de que machado NÃO é realista em momento nenhum de sua vida). Alguns consideram Machado o maior escritor da literatura brasileira, enquanto outros o consideram o escritor mais chato de todos os tempos. Um amigo meu até informou que preferia ler "Júlias" e "Sabrinas" a ler qualquer coisa de Machado; há gosto pra tudo afinal.

Quanto ao Memorial de Aires, é uma pena que tenha ficado ofuscado em meio ao sucesso de "Memórias Póstumas" e "Dom Casmurro", e acabou sendo esquecido. É engraçado que a maioria dos grandes escritores passam por uma situação parecida com essa, sendo que geralmente ninguem lembra daquilo que foi escrito após a magnum opus do autor, e exemplos claros são: Thomas Mann, que pouco se comenta sobre as obras que vieram após "A Montanha Mágica" (exceto TALVEZ Doutor Fausto); e Goethe, que ficou esquecido após Fausto.

Muitas vezes o "Memorial" é considerado a obra de decadência de Machado, retormando a visão romântica do mundo, outros consideram a obra melancólica de mais, e outros ainda afirmam que a obra é biográfica e que o conselheiro Aires é o próprio Machado. Na minha (não)humilde opinião, todos estão errados, pois Memorial de Aires é um romance genial, que por não ser melhor que Memórias ou Dom Casmurro acabou recebendo esses rótulos de decadente.

A narrativa de Memorial de Aires é bem interessante, pois, trata-se de um diário que foi escrito pelo conselheiro Aires (narrador de Esaú e Jacó). O estilo me lembra muito Os Sofrimentos do Jovem Werter de Goethe, que é escrito em forma de cartas. A narrativa é pessoal e bastante variada, sendo que o conselheiro narra em suas anotações acontecimentos cotidianos, anedotas, reflexões (metafísicas e políticas) e casos envolvendo pessoas de suas relações. Dentre os inúmeros dias do diário, muitos são dedicados ao casal Aguiar e seus apadrinhados (o afilhado Tristão e a quase-filha Fidélia).

A linguagem do livro é simples, talvez a mais simples de todos os romances de Machado. As pequenas narrativas do texto são profundas em sua simplicidade, desde a ambientação aos personagens. Os personagem em Memorial de Aires fogem um pouco ao tradicional personagem "lunático" de Machado como: Quincas Borba, Dom Casmurro, Rubião, Brás Cubas, Simão Bacamarte e etc... É um livro bem gostoso de ler, embora distancie-se um pouco do estilo machadiano.

Como presente, aqui vai um trechinho aleatório da obra para que possam ter seus próprios conceitos sobre ela. O ideal é a compra do livro. Não se espantem com a grafia, pois minha edição é de 62 (por isso a lombada meio gasta da capa aí de cima), e peço desculpas por não possuir uma edição mais moderna.
4 de agôsto
Indo a entrar na barca de Niterói, quem é que encontrei encostado à amurada? Tristão, ninguém menos, Tristão que olhava para o lado da barra, como se estivesse com desejo de abrir por ela fora e sair para a Europa. Foi o que eu lhe disse, gracejando, mas êle acudiu que não.
- Estou a admirar estas nossas belezas, explicou.
- Dêste outro lado são maiores.
- São iguais, emendou. Já as mirei tôdas, e do pouco que vi lá fora é ainda o que acho mais magnífico no mundo.
O assunto era velho e bom para atar conversa; aproveitamo-lo e chegamos ao desembarque, depois de trocadas muitas idéias e impressões. Confesso que as minhas não eram mais novas que o assunto inicial, e eram curtas; as dêle tinham sôbre elas a vantagem de evocações e narrativas. Não estou para escrever tudo o que lhe ouvi acêrca dos anos de infância e adolescência, nem dos de mocidade passados na Europa. Foi interessante, decerto, e parece que sincero e exato, mas foi longo, por mais curta que fôsse a viagem da barca. Enfim, chegamos à Praia Grande. Quando eu lhe disse que preferia êste nome popular ao nome oficial, administrativo e político de Niterói, dissentiu de mim. Repliquei que a razão do dissentimento vinha a ser eu velho e êle moço. "Criei-me com a Praia Grande; quando o senhor nasceu a crisma de Niterói pegara." Não havia nisto agudeza alguma; êle porém, sorriu como achando fina a resposta, e disse-me:
- Não há velhice para um espírito como o seu.
- Acha? perguntei incrèdulamente.
- Já meus padrinhos mo haviam dito, e eu reconheço que diziam a verdade.
Agradeci de cabeça, e, estendendo-lhe a mão:
- Vou ao palácio da presidência. Até à volta, se nos encontramos. (pg.112-113)
 Nota do Elaphar: 9,6

Edição Lida:
MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria. Memorial de Aires. São Paulo: Mérito, 1962, 279p. (Obras Completas de Machado de Assis Vol.9)

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