A primeira grande observação a respeito desse livro é quanto aos tradutores. É extremamente instigante ver uma das obras de maior peso da poesia mundial sendo traduzida por não tradutores. Claro, podemos ver discretamente o nome de Ivo Barroso que é um grande tradutor, Beatriz Viégas-Faria que é uma autoridade tradutória de Shakespeare, e Jorge Furtado que já possuiu uma experiência tradutória com Alice pela Objetiva. A maior parte do elenco de tradutores se compõe de atores e humoristas como Clarice Falcão, Pedro Furtado, Wagner Moura, Lázaro Ramos e Fernanda Torres.
O objetivo do livro é simples: incentivar que as pessoas experimentem traduzir os sonetos de Shakespeare. O livro começa com uma engraçada introdução de Jorge Furtado intitulada "Por que o soneto é mais interessante que o sudoku". Em seguida vem todas as intruções de como compor um soneto. A produção gráfica interna do livro não é a oitava maravilha do mundo, mas também não chega a ser péssima. Aparentemente esse livro foi lançado às pressas.
Agora o que interessa realmente... as traduções!
O fato de serfeita por vários tradutores, faz com que não haja um "padrão" lexical ou de estilo. Em uma tradução pode aparecer "Não veja o mundo e zombe desta dor/ Por minha causa, quando morto eu for" (Soneto 71 por Ivo Barroso), no mesmo soneto traduzido por outra pessoa aparece "E que o mundo não vigie o choro teu/ Te sacaneará. E eu já morri. Fudeu." (por Wagner Moura). Entre os sonetos vemos diferenças gritantes de estilos, sendo que alguns não rimam, ou rimam apenas metade.Há uma tradução que nem é um soneto (nº 19 por Fernanda e Mariana Veríssimo).
Apesar da diferença entre estilo e qualidade entre um tradutor e outro, o livro presta bem a sua função e de fato nos dá vontade de usar a outra página (com as devidas guias) e compor nossa própria tradução. Prometo que em breve apresento uma tradução aí. A seleção dos sonetos também é, a meu ver, melhor do que a feita por Péricles Eugênio, pois conta alguns de meus preferidos, mas isso é muito pessoal.
Por fim, vai um destaque super especial para o soneto de número 66 traduzido por Jorge Furtado. Jorge Furtado fez duas traduções para esse soneto, e a primeira é provavelmente (na minha opinião) a melhor versão desse soneto em português (superando a versão do Péricles e do Wanderley por exemplo), e a segunda tradução a menos ortodoxa. Como bônus vai as duas traduções mais a tradução de Péricles Eugênio para comparação (já que seu livro já foi resenhado). Por favor, por tradução "menos ortodoxa" entende-se um lexico que pode ser ofensivo, e se você tiver problemas com esse tipo de palavras, melhor pular a segunda tradução. Não diga que eu não avisei. Novamente, não mando o "original" para vocês verem a tradução de poesia como uma criação.
Farto de tudo, clamo a paz da morte
Ao ver quem de valor penar em vida
E os mais inúteis com riqueza e sorte
E a fé mais pura triste ao ser traída
E altas honras a quem vale nada
E a virtude virginal prostituída
E a plena perfeição caluniada
E a força, vacilante, enfraquecida
E o déspota calar a voz da arte
E o néscio, feito um sébio, decidindo
E o todo, simples, tido como parte
E o bom a mau patrão servindo
Farto de tudo, penso, parto sem dor
Mas se partir, deixo só o meu amor
(Soneto nº 66 por Jorge Furtado, p.82)
De saco cheio, mando tudo às picas
Ao ver só gente boa se ferrando
E as mais escrotas rindo à toa, ricas
E as crentes, puras, só no cú levando
E prêmios dados a um monte de bostas
E virgens puras pagando boquetes
E a perfeição xingada pelas costas
E os fortões entubando croquetes
E a cultura virar supositório
E a chusma de imbecis cagando regras
O bom e simples tido por simplório
O mal triunfa e o bem toma nas pregas
De saco cheio, vão todos se fuder!
Só o que eu não posso é meu amor perder
(Soneto nº 66 por Jorge Furtado, p.83)
Farto de tudo, imploro a morte sossegada
Quando vejo o valor vestido como um pobre
E com luxo trajado o miserável nada,
E perjurada, por desgraça, a fé mais nobre,
E vergonhosamente a honra mal situada,
E a virginal virtude em lama prostituída,
E por coxo exercício a força invalidada,
E a justa perfeição do apreço decaída,
E julgando a perícia a doutoral tolice,
E atando a língua da arte o arbítrio oficial,
E a mais simples verdade achada parvoíce,
E o bem seguindo preso o comandante mal:
Farto, eu queria estar já morto e descansado,
Se não deixasse o meu amor abandonado.
(Soneto nº 66 por Péricles Eugênio)
Nota do Elaphar: 8,4
Edição Lida:
SHAKESPEARE, William. Sonetos de Shakespeare: Faça você mesmo. Trad: Vários Tradutores. Organização de Jorge Furtado e Liziane Kugland. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010.
Gostei do que encontrei por aqui. Se puder me faça uma visita. Um abraço!
ResponderExcluirhttp://pensamentosduneto.blogspot.com/
Mano, esse teu Blog é um presente pra quem gosta de literatura.
ResponderExcluirAbraços do POVO DA FLORESTA!