Primeiro, devemos compreender o termo "Literatura Infanto-Juvenil" (doravante LIJ). Ao fazer um pouco de pesquisa, percebemos que é uma construção recente (tá legal, não tão recente assim, mas remonta o romantismo), e que até um certo ponto da história literária, não se diferenciava a literatura para crianças, jovens e adutos, ou para homens e mulheres (a construção da literatura de "gênero" é ainda mais recente).
Outro ponto que devemos ter em vista, é que a LIJ também se define históricamente. Por exemplo, os Brüder Grimm ao construirem seu Kinder und Hausmärchen, não se preocuparam em criar uma literatura para crianças, mas sim compilar as narrativas orais alemãs com a finalidade de definir uma identidade (desculpe, sei que o exemplo dos Grimm já está ficando batido). Outros textos, escritos para crianças (portanto, LIJ de origem), perderam sua propriedade e se transformaram em livros para adultos, dentre eles Alice no País das Maravilhas, que é lido hoje como um livro adulto, e talvez até de difícil compreensão para uma criança (pelo menos em língua portuguesa). Há livros também que ficam em um meio termo, como O Hobbit de Tolkien, O barão nas Árvores de Calvino, e as A Volta ao Mundo em 80 Dias de Verne. É importante não confundir a temática do fantástico e do maravilhoso (sim, são coisas diferentes) com LIJ, pois há obras de LIJ sem a temática do fantástico, embora não atraia tanto, e há obras se utilizando do fantástico e maravilhoso que não são LIJ.
Há ainda uma outra tendência, quando um crítico ou educador acha apropriado considerar um texto "de peso" como adequado para crianças. Há até uma seleção de poesias clássicas da literatura portuguesa compiladas em um livro infanto-juvenil (se não me engano, editado pela Companhia das Letras), onde encontra-se até mesmo um poema de Machado de Assis e Bilac... isso mesmo! Bilac. Bloom também cria uma seleção de "Textos para crianças inteligentes de todas as idades" (ou algo assim) lançado no Brasil pela objetiva, e onde há apenas textos clássicos. Notem, que nesses casos, não há adaptação (é diferente de obras adaptadas para crianças, como da coleção Literatura em Minha Casa), o que acontece é uma diferença nos pontos de vista do que é "apropriado" para crianças ou não. Lembrando que a LIJ é dividida em duas partes (uma infantil e a outra juvenil).
Mas e onde entra "O Grande Gatsby" nisso? Simples. O romance foi escrito no fim da década de10 do século XX, após a primeira guerra mundial. O mundo se afogava em uma crise (que ficou ainda mais grave na década de 30), e as pessoas estavam se tornando vazias, as relações fúteis e etc... os jovens dessa época foram nomeados de "a geração perdida". Cada época possui suas fórmulas, e se hoje, a fórmula para vender para os jovens é socar monstros como zumbis e vampiros ou criar histórias de amor pouco ortodoxas, naquela época era mostrar a sociedade burguesa jovem ou jovem-adulta mergulhar em um vazio existencial. Essa era a "fórmula" da época, e Fitzgerald escreveu seu livro em cima deste motivo, e portanto, guiou sua voz para os jovens (de 16-20 anos), e portanto, fez uma literatura Juvenil, ramo da LIJ. Eu procuro, nas minhas escolhas para o desafio, colocar o que há de mais variado no tema tratado (ou melhor, o que acho que é, afinal, não leio os livros antes). Ao escolher Memórias do Quintal, O Castelo nos Pirineus e O Guia dos Mochileiros da Galáxia, escolhi fazer um passeio pela faixa etária (criança, pré-adolescência e adolescência), e um passeio temático (histórias quotidianas, estranhas e reflexivas, e fantásticas e sem propósito intelectual). Claro, não saí exatamente do que planejei, pois, O Castelo nos Pirineus não foi o que esperava, e O Guia foi extraviado. Com Fitzgerald acho que posso prosseguir meu objetivo com sucesso. Agora chega de me explicar e vamos para a parte mais divertida da obra.
Se por um lado eu falei que "O Grande Gatsby" seguia uma "fórmula" da época, porque o livro é considerado uma obra prima, já que a história mostra que obras que seguem fórmulas não vão para a história da literatura? (Tá legal, algumas vão, como Prosopopéia de Bento Teixeira ou O Guarani de José de Alencar) A esplicação é apenas uma: a obra é genial.
Diferente do que possa-se imaginar, Fitzgerald desenvolve o tema da futilidade e vácuo interior com uma maestria surpreendente. Os personagens de "O Grande Gatsby" são extremamente vazios, mas não no sentido que usei ao falar dos personagens de "O Castelo nos Pirineus", mas no sentido de que são magnificamente vazios, ou brilhantemente construídos vazios, sem nem uma marca de estereotipação exagerada. Não há exagero de descrissões dos personagens, mas a partir de suas ações podemos ver seus traços comportamenteis, e todos os personagens são surpreendentes e bem escritos. O estilo de Fitzgerald lembra (em alguns momentos apenas) o de Clarice Lispector, com a diferença que a ultima trabalha com reflexões internas e a surpresa com o quotidiano, enquanto aquele se foca no vazio do quotidiano e a falta da reflexão (direta). Em ambos os escritores, de qualquer modo, o não dito e não acontecido se faz mais forte do que o dito e vivenciado.
Alerta!!! Esse texto pode conter spoilers como o fato de que Gatsby enriqueceu de formas ilícitas e quando morre ninguem se preocupa com ele. Ou que a amisade entre Tom e Rick se evanesce.A história é tensa, apesar de toda a sua loentidão. Por lentidão, entenda-se uma história onde a tensão ocorre mais pelos estados de espírito e reflexões do que pelos acontecimentos em si (e, pensando bem, os 3 livros desse mês são narrativas lentas, o que me mostra como tenho preferencia por esse tipo de narrativa). A narrativa nos dá a cada instante, um sentimento de desconforto. Parece que estamos vendo um mundo alienígena, que é nosso próprio. Há momentos na narrativa que são bem mais ágeis, principalmente após o (re)encontro de Gatsby com Daisy. Essa agilidade vai até a morte de Gatsby, quando a narrativa retoma seu ar mórbido e vagaroso, porém ainda assim tenso.
O narrador do livro é Rick, que é visinho de Gatsby. Conhece Tom e seu círculo de amizade, e posteriormente, entra em contato com Gatsby. Gatsby é um cara rico, esquisito e extravagante, que tem uma paixão antiga e sem sentido por Daisy (esposa de Tom e amiga de Rick). A riquesa de Gatsby vem de negócios ilegais.
Há no livro muitos pontos positivos, mas não quero estragar a surpresa da leitura (embora já tenha feito um spoiler desgraçado da maior parte dos fatos que demoram para serem descobertos). "O Grande Gatsby" em tudo o que lhe falta proporciona a um leitor diversas emoções: interesse, compaixão, incompreensão, revolta e etc... Seu desfecho trágico e suas temáticas do amor (tratado de formas diferentes, todas incomuns) e do relacionamento social são excelentes atrativos para uma leitura divertida e descompromissada, enquanto sua densidade artística são perfeitas para uma análise ou leitura mais aprofundada.
Quanto à produção editorial, meu exemplar da Abril é um livro bem comum, com bom acabamento. A revisão foi bem feita e a tradução parece ótima (está em bom vernáculo). Não me dei ao trabalho de ler a versão em inglês do livro (minha preguiça e vontade de ler outros livros não permitiu), mas não acho nem que isso seja nescessário, pois, a edição é traduzida por ninguem menos que Brenno Silveira. Para quem não sabe, Brenno Silveira é um nome respeitadíssimo na tradução em vernáculo, além de ter escrito um dos primeiros livros sobre tradução no brasil (A Arte de Traduzir). É considerado uma grande referência na arte tradutória. Como esse post faz parte do Desafio Literário, para conferir a minha lista do desafio clique aqui. Para conferir a lista de Janeiro Clique aqui.
Nota do Elaphar: 9,2
Edição Lida:
FITZGERALD, F. Scott. O Grande Gatsby. Tradução de Brenno Silveira. São Paulo: Abril Cultural, 1980.
Havia entendido que o Desafio de janeiro era livro infanto-juvenil, acredito que O Grande Gatsby não está nessa linha, não vejo um jovem de 14 anos lendo e entendo, mas enfim...
ResponderExcluirEu gosto do livro.
abs
Jussara
Aprovo o seu roteiro de leitura para o tema literatura infanto-juvenil. Não vejo porquê um adolescente não posso desfrutar da leitura do Grande Gatsby. O território ficcional, subjetivo, metafórico, ambíguo, fantasioso, utópico e humano da literatura não se reduz à classificações engessadas. Se na minha adolescência me fosse dada a oportunidade de ler o livro em questão, creio que teria,respeitada a minha idade mental e psicológica da época, apreciado a leitura sim. Ótimas reflexões!
ResponderExcluirBjs
- Jussara
ResponderExcluirEntendo sua objeção, e por isso minha resenha teve uns 4 paragrafos explicando o motivo de minha esccolha. Fitz pode não ser mais infanto-juvenil, mas seus livros já foram apreciados por jovens entre 16-20 anos.
- Vivi
Acho que eu também, apesar de que, teoricamente, ainda estar na faixa etária Juvenil (fiz 18 anos agora).
Obrigado pela dica da edição. Vou comprar esta traduzida pelo Brenno.
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