domingo, 5 de dezembro de 2010

22 Sonetos de Shakespeare (Trad. Péricles Eugênio)

Quem me acompanha no blog já deve ter percebido a importância que eu dou para a tradução, colocando o nome do tradutor nas referências e (quando minha competência me permite) tecendo rápidos comentários sobre a tradução. Entretanto, ao traduzir poesia, a coisa fica ainda mais séria, e o tradutor (como criador) ocupa um lugar de tanta importância qiuanto o escritor traduzido.

Acho que não preciso falar de Shakespeare, afinal, se você não o conhece deveria voltar para a alfabetização imediatamente. De Péricles Eugênio, o que interessa mais é que ele foi um grande poeta e crítico literário (em reconhecimento ganhou um Jabuti em 69), e morreu em 1992 (que coincidência... nasci esse ano!!!), publicou vários livros de poesia e algumas antologias, entretanto, seu melhor trabalho foi com as traduções, que fez de Péricles Eugênio um mito, que dentre os vários artistas que traduziu, encontram-se alguns sonetos de Shakespeare (ele traduziu mais sonetos e publicou em outra edição, mas decidi resenhar o primeiro que ele publicou [22 sonetos], por vários motivos).

Traduzir Shakespeare não é fácil, e muito menos os sonetos. Todos os que traduziram os sonetos receberam críticas pesadas, como Thereza Christina Rocque da Motta, Jorge Wanderley, Jerónimo de Aquino, Ivo Barroso, Vasco Graça Moura, Péricles Eugênio e outros tradutores(isso sem citar a polêmica tradução de Milton Lins). Como fã dos sonetos de Shakespeare, já li diversas traduções dos sonetos (as 3 primeiras que citei) e li boa parte em inglês (mas minha preguiça me impede de ler todos). Nunca entendi o porquê de a tradução de Wanderley (outro titã da tradução, que falarei em outra ocasião) ser considerada por muitos a melhor tradução de Shakespeare em portugês, o que é uma injustiça com outros tradutores que têm excelentes versões dos sonetos, algumas melhores, outras não. Aqui não vou falar de "mais próximo do original", porque o original não existe, o que existem são várias leituras; a única regra que vou usar nessa leitura é aquela dita por um dos irmãos Campos (não lembro qual, e também não lembro de onde eu tirei essa citação): não se pode traduzir um bom poema para um mal poema. Chega de teorizar, pois essa parte não me cabe.

Primeira cutucada vai para a escolha dos poemas, que na minha opinião foi fraca. Claro, isso é muito pessoal, já que o gosto por uma poesia ou outra varia de pessoa a pessoa, mas fico triste por não estar presente nesse livro principalmente os sonetos 1, 10 e 139 que são meus preferidos, e ao invés desses, encontro os sonetos 15, 116 e 144, que não gosto muito. O que não se pode negar é que Péricles deu tudo de si em cada um dos sonetos que traduziu.

Formalmente, a tradução de Péricles é criticada por muitos por se utilizar o exâmetro jâmbico (Shakespeare se utiliza de pentâmetros jâmbicos) o que não acho justificável, e acho interessante a escolha do tradutor e a aprovo, embora não considere sua justificativa válida (a justificativa de ganhar espaço). Outra coisa muito legal da tradução de Péricles são as numerosas notas de rodapé, que oferece algumas traduções literais e explicações do contexto em inglês, e revela (e explica) algumas escolhas do tradutor.

A sonoridade dos poemas traduzidos por péricles eugênio é muito boa, o que me faz pensar como deve ser legal o LP que acompanha a edição (que por ter comprado em um sebo, minha edição veio sem esse LP). A qualidade das rimas também é excelente, o que é uma grande vantagem sobre muitas outras traduções dos sonetos. Destaque para os sonetos 18 e 55, sendo que no soneto 18 o poema em inglês se fecha com um horrível 'this gives life to thee' (rimando com see), e Péricles traduz para "e nêle hás de viver" (rimando com ver) coloca uma nota mostrando a tradução literal, mas que é desnescessário para o entendimento do poema, pois o sentido fica claro no poema inteiro. Eis aqui o soneto 18 transcrito:

A um dia de verão, como hei de comparar-te?
Vencendo-o em equilíbrio, és sempre mais amável:
Em maio o vendaval ternos botões disparte,
E o estio se consome em prazo não durável;
As vêzes, muito quente, o ôlho do céu fulgura,
Outras vêzes se ofusca a sua tez dourada;
Decaí da formosura, é certo, a formosura,
Pelo tempo ou o acaso enfim desadornada:
Mas teu verão é eterno, e não desmaiará,
Nem hás de a possessão perder de tuas galas;
Vagando em sua sombra o Fim não te verá,
Pois neste verso eterno ao tempo tu te igualas:
      Enquanto o homem respire, e os olhos possam ver,
      Meu canto existirá, e nêle hás de viver.
Não coloquei o poema em inglês para vocês se esquecerem do suposto "original" e considerarem a própria tradução como um original, e que carrega beleza de forma autônoma, independente de "fidelidade" ou outra coisa externa ao poema.

Muitos outros poemas são muito bons nessa tradução, que recomendo para todos vocês. Não vou me alongar mais...

Nota do Elaphar: 9,5

Edição Lida:
SHAKESPEARE, William. Seleção de 22 Sonetos. Trad: Péricles Eugênio. Belo Horizonte: Agência Americana, s/d. Acompanha L.P. sob direção de Pontes de Paula Lima.

5 comentários:

  1. Como vc é expert em tradução, o que diz desse texto, usado como citação de Shakespeare:



    "Há quem diga que todas as noites são de sonhos. Mas há também quem garanta que nem todas, só as de verão. No fundo, isto não tem muita importância. O que interessa mesmo não é a noite em si, são os sonhos. Sonhos que o homem sonha sempre, em todos os lugares, em todas as épocas do ano, dormindo ou acordado." - Shakespeare


    "Some say that every night is a dream. But there are also ensuring that not all, only the summer. At bottom, this is not important. What really matters is not the night itself, are dreams. Dreams that man dreams always, everywhere, at all times of the year, asleep or awake. " – Shakespeare

    Agradeceria muito saber se faz parte realmente de algum desses 22 sonetos. É para uma epígrafe em uma tese de doutorado sobre sonhos. Se possível responda para acctinoco@gmail.com

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  2. Faz parte da obra Sonhos De Uma Noite De Verão

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  3. - Kaka: Na verdade, embora seja conhecida como "Sonhos de uma noite de verão", este trecho NÃO é do teatro homõnimo tampouco é de Shakespeare. A citação em inglês é na verdade uma Tradução, não o Original. Para conferir acesse: http://blogelaphar.blogspot.com/2011/01/mais-uma-de-shakespeare.html .

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  4. Como amigo que fui de Pontes de Paula Lima , procurarei encontrar parA você o LP com as duas versões dos sonetos, em um lado português, do outro, o original

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  5. Fui aluno de Paula Lima no Teatro Universitário da UFMG. Ele ministrava aulas de História do Teatro. Lembro-me deste LP, ouvimos várias vezes, não sei mais com quem esta. A gravação em Inglês era de Barbra Jefford (para relembrar participou no filme de Fellini La nave Vá)e em português foi gravado por Maria Fernanda, filha de Cecília Meireles. Ainda devo ter gravado o soneto 144 em inglês e português. O LP é genial...

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