terça-feira, 1 de março de 2011

Desafio Literário 2011 - Março: Obras Épicas

"O gênero épico é uma das mais antigas manifestações literárias. O enredo caracteriza-se por ressaltar os feitos dos heróis ou as aventuras de um povo. Neste mês, vamos desengavetar aqueles romances épicos que compramos por impulso e acabaram no esquecimento!"

Mais um mês de Desafio Literário, e agora com um dos mais aguardados temas do ano: o Gênero Épico. Como tradição, discorrerei um pouco de minhas opiniões sobre o tema e postarei a lista do mês com alguns livros bônus.

O gênero épico é um dos gêneros mais antigos, e é importantíssimo para a fundação das literaturas do ocidente, junto da tradução e das religiões. O gênero está presente em praticamente todas as literaturas nacionais, dentre elas a grega (com Homero), latina (com a Farsália, Eneida e outras), alemã (Nibelungenlied), nórdica (Livro de Veda), italiana (a Divina Comédia), portuguesa (Lusíadas) e até a brasileira (com a `Prosopopéia, Uraguai e Caramuru por exemplo). A literatura latina se fundou na vulgarização de Homero.

Em sua forma mais tradicional, o gênero épico é um grande poema (inspirado por calíope) dividido em cantos. O poema épico possui Proposição, Invocação, Dedicatória, Narrativa e Epílogo entre outros elementos, e inicia in medias res, ou seja, no meio da história, para apenas depois chegar ao início (analepse) e posteriormente ao desfecho (prolepse). Sob esse aspecto (isso é, no ponto de vista tradicional), a obra épica conta os feitos de um Heroi, considerado exemplar, que representa toda a identidade de uma nação. A presença do mito é muito forte na épica.

Outras características da poesia épica tradicional é que sempre há a narrativa (narrador + narração) e o tempo da diegese (narrativa) é anterior ao da narração, por isso os verbos tendem a ir para o passado. Há também no gênero os personagens e o espaço, diferente da lírica que pode se desenvolver sem personagem ou espaço. Uma coisa que é importantíssima é a tragetória do heroi, que é a diverença crucial entre a épica e a tragédia por exemplo. Na épica, a tragetória do heroi é crescente, e na tragédia decrescente. A morte não pode ser considerada aí como uma tragédia, pois a morte pode tanto ser o ápice da vida do heroi (como é o caso de Aquiles) como o seu fim trágico (como no caso de Antígona).

Movendo-se para a modernidade, o gênero épico sofreu muitas modificações, que deu origem ao romance moderno (que convencionalmente, dizemos que Don Quixote é o primeiro romance moderno). Podemos dizer que todos os romances são derivados do gênero épico, entretanto, essa afirmação carece de rigor. Alguns romances são muito mais líricos ou dramáticos que épicos propriamente dito. Algumas coisas do gênero épico devem, ao meu ver, ser conservadas para que um romance possa receber o título de "épico", e, dentre elas, 3 creio que são fundamentais: 1- A épica procura retratar e legitimar uma identidade (sendo assim, os romances de formação são basicamente épicos); 2 - A tragetória do heroi deve ser crescente, mas não nescessáriamente no sentido tradicional (isso depende da análise); 3 - Deve haver uma relação entre real (ou discurso de verdade) e ficcional.

Portanto, posso defender-me de minhas escolhas (pelo que acredito desses livros, pois não os li):

Na minha lista principal, ha como titular o livro A Morte em Veneza de Thomas Mann. Escolhi esse livro pois há um conflito entre os belos e as morais, e há (aparentemente) a busca de uma identidade. Essa escolha foi muito influenciada pela biografia do autor. O segundo livro é Geórgicas de Virgílio (em tradução de Feliciano de Castilho), escritor de épica tradicional. Geórgicas não é como Eneida, e não é Épica em seu sentido mais tradicional, entretanto, pelo que li a respeito, há uma busca pela identidade bucólica local, embora não saiba se há propriamente um heroi. É um livro que devo ler e analizar sua epicidade x lirismo. O último livro é Fernão Capelo Gaivota de Richard Bach, que acredito ser uma busca identitária, baseada em uma mitologia e moral (cristãs), com um serto discurso de modelação, e um herói em rumo ascendente (simbolicamente representado pelo voo). Os livros bonus serão: As 4 Óperas do ciclo O Anel dos Nibelungos de Wagner, que além de literatura é música e teatro, e além de épico é dramático e lírico. Além da Ópera, resenharei o livro Nibelungenlied, formadora da literatura alemã e épico no sentido mais tradicional. O Terceiro livro bônus será Eneida, um modelo do gênero épico. Sigam-me os bons.

LISTA
Titular: A Morte em Veneza - Thomas Mann.
1º Reserva: Hortência - Marques de Carvalho.
1º Reserva: Geórgicas - Virgílio (trad: F. de Castilho)
2º Reserva: Fernão Capelo Gaivota - Richard Bach

BÔNUS
Der Ring des Nibelungen (4 Óperas) - Richard Wagner (Das Rheingold, Die Walkürie, Siegfried e Götterdämmerung)
Nibelungenlied - Anônimo
Eneida - Virgílio (tradução de Odorico Mendes)
Livro de Juízes - Anônimo

Curiosidade: Uma obra épica brasileira (a Prosopopéia de Bento Teixeira) é um caso raro na história da literatura. Muito se discute quanto à valoração de obras literárias, mas, ao que eu saiba, é unânime que a Prosopopéia é um livro ruim. Nunca ouvi ou li nada que refute essa afirmação. De qualquer forma, esse livro marca o início da literatura no brasil (embora escrita por um português).

3 comentários:

  1. Olá, Elaphar! Bem esclarecedor o seu texto. Por favor, você cederia seu texto para postarmos no DL? Creio que ajudará muito gente.

    Quanto a gênero épico nos romances, fiquei na dúvida no item 3: "Deve haver uma relação entre real (ou discurso de verdade) e ficcional"
    Se não for incômodo, poderia exemplificar?

    Um grande abraço!

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  2. Olá, Viviane! Pode usar meu texto sem problemas, contanto que seja atribuida a autoria e não seja para fins comerciais, assim como tudo que estiver neste blog (que está sob Creative Commons).

    Agora, tentando responder à sua dúvida, é uma questão mais teórica. O gênero épico como narrativa em prosa (no caso, romance) deve se basear em alguma personalidade ou fato real (ou supostamente real, como os mitos e personagens lendários), ou possuir um discurso que indique que a narrativa de ocorreu. Para as obras do sec. XIX ou anterior isso não faz diferença, mas para as obras mais modernas nem sempre a narrativa possui esse discurso de verdade.

    Ex: em "O Senhor dos Aneis", embora completamente sob o âmbito do maravilhoso, há um discurso no livro de que aquela outra realidade (alteridade) é real e a narrativa se baseia em acontecimentos reais dessa outra realidade (no caso, a Terra Média). Já em "A Morte de Haroldo Maranhão", a narrativa mistura o que é da ordem do ficcional e do metaficcional, não havendo um discurso de que a narrativa é real, portanto, a obra se enquadra mais ao gênero lírico, ao meu ver. Isso é algo que importa mais à teoria literária do que aos leitores.

    Não sei se consegui responder de forma clara. Um grande abraço para você e toda equipe do DL.

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  3. Oi, Elaphar! Fiquei doente e tudo se atrasou. Obrigada por ceder o texto e, claro, ele será devidamente creditado. Valeu!

    PS: Tem como enviá-lo para o nosso email desafioliterario[arroba]gmail[ponto]com?

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