segunda-feira, 28 de março de 2011

O Anel dos Nibelungos (Götterdämmerung) - Richard Wagner

Götterdämmerung representado em Bayreuth
Demorei, mas estou concluindo com Götterdämmerung o ciclo épico-dramático O Anel dos Nibelungos (Der Ring des Nibelungen) do escritor e músico Richard Wagner. Götterdämmerung é a tradução alemã para a palavra em nórdico antigo Ragnarök, que em português seria o Crepúsculo dos Deuses. Para se ter uma idéia da grandiosidade desse espetáculo, está em Götterdammerung a cena mais difícil de se representar da história do teatro (última cena do último ato, falarei sobre ela). A música também só pode ser cantada por um virtuose vocal. Götterdämmerung continua a história de Siegfried, filho de Siegmund, e ainda mais que Die Walkürie e Siegfried, mudanças drásticas no mito ocorrem, inclusive a própria interpretação do Crepúsculo dos Deuses. Já conhecia a música, e só agora estou lendo o libretto, entretanto, não tenho mais nenhuma versão musical de Götterdammerung, o que me obriga a puxar da memória. Vamos ver o quão bem eu me saio.

Além das inovações formais já iniciadas por Wagner à ópera, temos em Götterdämmerung um prelúdio antes da 1ª cena. O prelúdio pode ser dividído em duas partes, a primeira onde as Normas tecem o fio do destino (e por descuido alguns se rompem) enquanto cantam, até desaparecerem. O canto das normas (em Alemão) é belíssimo, mas a poesia dessa parte é questionável, e é bela somente cantada. As normas contam em poucas linhas a história passada e a futura. A segunda parte do prólogo, após uma breve e bela Orchesterzwischenspiel, mostra Siegfried e Brünnhilde saindo de uma gruta (depois de se amarem), onde a ex-valkíria afirma que Siegfried deve prosseguir em sua jornada, e Siegfried como prova de amor lhe dá o anel que tomou de Fafner e ela lhe dá o seu cavalo e seu escudo de valkíria. Apesar de literariamente desnecessário (se a ópera começar a partir da primeira cena, não perderíamos nada), podemos ver no prólogo que o Siegfried de Götterdämmerung não é o mesmo Siegfried de Siegfried. O personagem está mais humano e heróico (até na música), e não é mais aquele estereótipo. Dá uma prova de amor na mesma medida em que recebe, e sua fala é autera e abobalhada.

A música em Götterdämmerung é muito mais sóbria que nas outras óperas da saga, e não é exagerada como Die Walkürie, mas ainda possui peso e expressividade. A primeira cena se passa no palácio de Gunther, onde Hagen (meio-irmão do rei Gunther) e Gutrune (irmã) estão presentes. Gunther pergunta sobre sua popularidade, e Hagen (depois de fazer mistério), afirma que sua popularidade não é satisfatória porque ambos (Gunther e Gutrune) não são casados. Gunther pergunta quem ele indicaria como esposa, e Hagen indica Brünnhilde (como é chato escrever esses nomes), e explica a situação: apenas Siegfried pode trazer ao rei, e apenas se Gutrune fizer o herói se apaixonar. Hagen explica o plano: dar uma poção a Siegfried para que este se esqueça de seu amor passado, assim ele se casará com Gutrune e Brünnhilde se casará com Siegfried. Como no cinema e no teatro, na ópera também a conveni~encia das situações fala mais alto: Siegfried chega justamente quando estão discutindo como encontrá-lo. Hagen o convida para entrar, e fecha-se a cena.

A cena dois mostra como Siegfried e Gunther se conhecem pessoalmente. Siegfried desconhecia o poder do Tarnhelm, que Hagen esplica seu poder. Gutrune dá a bebida do esquecimento a Siegfried, e ele esquece totalmente de Brünnhild, e promete tirá-la das chamas e entregar a Gunther em troca da mão de Gutrune. Siegfried foi enganado em sua ingenuidade (justificável, devido sua criação), e essa cena é muito coerente e bem feita, mas, há um ponto que foi esquecido: CADÊ A CLARIVIDÊNCIA DE SIEGFRIED??? O dragão lhe concedeu a clarividência em Siegfried, e aparentemente não foi capaz de usá-la agora... esquece, sem poção não há história, então... De volta aonde está Brünnhilde (3ª cena), a valkíria Waltraute chega, narrando a Brünnhilde a decadência do Walhalla. Waltraute tenta convencer a irmã de devolver o anel ao Reno (lembrando também da maldição de Alberich), o que Brünnhilde recusa-se a fazer:
Ha! Weisst du, was er mir ist?        /   Ah, você conhece o que ele [o anel] a mim representa?
Wie kannst du's fassen,                  /   Como podes compreender,
fühllose Maid! -                             /   garota insensível! -
Mehr als Walhalls Wonne,             /   Mais que o etéreo Walhalla,
mehr als der Ewigen Ruhm             /   mais que toda a glória divina
ist mir der Ring:                              /   é para mim este anel:
ein Blick auf sein helles Gold,         /   um olhar, à sua áurea matéria
ein Blitz aus dem hehren Glanz -     /   um brilhar, de sua luz majestosa -
gilt mir werter                                /   vale mais à mim
als aller Götter                               /   que a eterna alegria
ewig währendes Glück!                  /  de todos os deuses!
Denn selig aus ihm                         /   Porque nele brilha   
leuchtet mir Siegfrieds Liebe:          /  O amor de Siegfried como benção:
Siegfrieds Liebe!                            /  O amor de Siegfried!
- O liess' sich die Wonne dir sagen!/  Oh! Se eu pudesse dizer-lhe o que é prazer!
Sie - wahrt mir der Reif.                 /  É o que esse anel concede a mim.
           (Libretto em alemão, tradução livre por Raphael Soares a partir do inglês)
Após esse discurso, Waltraute vai embora triste, e Siegfried surge (disfarçado de Gunther devido o Tarnhelm). Siegfried subjulga Brünnhild para levá-la (como Gunther), mas ela reconhece sua voz (uma magnífica performance vocal, entre Tenor e Barítono), e ao final ele fala em sua voz normal, afirmando que ele e Gunther são irmãos de sangue.

A primeira cena do segundo ato é uma das mais sinistras e controversas. Hagen está na corte como guarda (adormecido) e Alberich aparece (ou não). Nessa cena há o diálogo entre Hagen e Alberich (filho e pai). Muito se infere desse diálogo, entre elas que Alberich não está materialmente, mas sim nos sonhos, e é uma projeção do próprio Hagen. Pode-se inferir também uma conecção do real e do onírico. A música é sombria, e o diálogo impressionante. Vale a pena conferir.

Na segunda cena do segundo ato Siegfried chega, afirmando a Hagen que tudo saíra como o planejado, e se coloca a disposição para organizar os dois casamentos. Temos uma melhor descrição de Hagen, que aparece esnobe e irônico. Uma pena que Wagner não é um mestre da Ironia. Na cena terceira temos mais Hagen, onde ele brinca com os soldados dando-lhes as boas novas, o que os soldados se espantam, pois, Hagen é carrancudo. Hagen aparece nesse ato múltiplo, mas coerente, podemos inferir algumas coisas sobre suas atitudes. A terceira cena é uma confusão, causada por Brünnhilde, e onde novamente Hagen se destaca. Siegfried defende-se e Brünnhilde o acusa, causando uma confusão geral onde ninguém (exceto o leitor/ouvinte) entende nada. Na última cena do segundo ato, Hagen se oferece em amizade à Brünnhilde, e junto com Gunther tenta compreender a confusão da outra cena. Hagen incita a pena capital ao "traidor" Siegfried, enquanto Gunther como sempre indeciso e manipuladíssimo. Hagen pergunta a Brünnhilde se e como Siegfried pode ser morto, e ela o informa que ele é um herói poderoso e não pode ser vencido em combate, mas pode ser atingido pelas costas. A explicação aqui para a ivulnerabilidade de Siegfried não é o sangue de dragão do Nibelungenlied, mas as artes de Brünnhilde que lhe protegem dos ferimentos. Como Siegfried jamais daria as costas em fuga para um inimigo, ela não o protegeu nas costas.
BRÜNNHILDE
O Undank, schändlichster Lohn!              /   Ó ingratidão, recompensa mais brutal!
Nicht eine Kunst                                      /   Nenhuma arte há
war mir bekannt,                                      /   de meu conhecimento,
die zum Heil nicht half seinem Leib'!          /   que não tenha lhe segurado a integridade corporal!
Unwissend zähmt' ihn                               /    Sem que soubesse, o envolvi
mein Zauberspiel, -                                   /   em minha mágica,
das ihn vor Wunden nun gewahrt.             /    que agora o protege dos ferimentos.

HAGEN
So kann keine Wehr ihm schaden?            /   Não há arma que o machuque?

BRÜNNHILDE
Im Kampfe nicht - ; doch -                       /   Em batalha não; mas...
träfst du im Rücken ihn....                         /   Caso acerte-o no dorso....
Niemals - das wusst ich -                         /    Jamais, sei disso,
wich' er dem Feind,                                 /     ele nunca permitiria,
nie reicht' er fliehend ihm den Rücken:      /     jamais ele daria as costas ou fugiria ao inimigo:
an ihm drum spart' ich den Segen.            /     Por isso dispensei em meus feitiços
    (Libretto em alemão, tradução livre por Raphael Soares a partir do inglês)
 A ultima cena do terceiro ato termina com Hagen convencendo Gunther a aceitar a morte de Siegfried.

No terceiro ato, Siegfried se perde de seu grupo de caça (que incluia Gunther e Hagen), e depara-se com as ninfas do Reno. Elas lhe contam a história da maldição, e afirmam que Siegfried será liquidado  assim como Fasolt, Fafner e todos que porem as mãos no anel. Siegfried não se importa. Na segunda cena Hagen dá uma bebida a Siegfried (com poder inverso da outra), que lembra e conta sua história, Hagen pergunta-lhe se pode compreender uma ave que está a sua frente, e Siegfried olha-a. Nesse momento Hagen golpeia covardemente Siegfried pelas costas. Siegfried canta uma música à Brünnhild enquanto ainda estava agonizando, e depois morre. Segue o cortejo fúnebre. Nessa cena aparecem duas das melhores músicas da ópera: a Canção de Siegfried e a Marcha Fúnebre de Siegfried.
A terceira e última cena do ato é quando levam Siegfried à um rochedo, e Gunther e Hagen disputam pelo anel. Há muita confusão e ação, nesta que é a cena mais difícil da história do teatro. O importante aqui é o Discurso de Brünnhilde, onde muito se pode interpretar sobre toda a obra e a filosofia wagneriana. A parte dramática desta cena é muito intensa, podemos citar: Br¨nnhilde atira-se com o cavalo às chamas, Hagen é afogado e subjulgado por duas valkírias (Woglinde e Wellgunde), o palácio inteiro desmorona, e quando os deuses se reunem em assembléia todo o cenário entra em chamas, quando cai o pano e encerra a obra. Aqui a Imolação dos Deuses é uma bela parte orquestral, e o Discurso de Brünnhilde é bastante poético, e não ouso traduzi-lo (muito menos em tradução de tradução como tenho feito).

Assim termino todo o ciclo do anel, mas antes algumas considerações. Götterdämmerung é musicalmente genial, embora seja narrativamente fraco (comparado à Die Walkürie e Das Rheingold). Apesar de seus defeitos, é dentre todas as óperas do ciclo a mais dramática e mais virtuosística. Götterdämmerung ganha também no psicológico dos personagens. Temos uma Brünnhilde humana, um Hagen dual, um Gunther fraco, um Siegfried com seus defeitos e não mais estereotipado como na ópera anterior. Principalmente Hagen me fascina, porém, Brünnhilde também tem seus pontos fortes. Wagner é um gênio fora do comum, e essa obra causou uma influência absurda (positiva e negativa) em seu país, apesar de, como pessoa, Wagner ser pouco exemplat. O Anel dos Nibelungos de Wagner é uma obra ímpar, e Götterdämmerung é o ápice do Drama Psicológico.

Esse livro é bônus do DL, e foi feito em decorrência do tema de Março. Clique aqui para ver a página de Março

Um comentário:

  1. Cumpriste o desafio dos desafios, só de cumpir o ciclo do anel...fizeste uma trajetória de leitura épica esse mês, rapaz. Invejável!

    Beijocas

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