Ítalo Calvino é um dos maiores escritores italianos da história (e não venham me atormentar dizendo que ele nasceu em cuba. Se Calvino não é italiano Clarisse não é brasileira e ponto final), tá legal que além de Ítalo Calvino só li Dante e Humberto Eco. Se você não conhece a obra de Calvino, essa é a melhor oportunidade para ler um livro desse autor e expandir sua cultura para a literatura italiana.
O Barão nas Árvores (Il Barone Rampante no original ou O Barão Trepador na versão portuguesa) é um livro que conta a história de Cosimo di Rondò (Cosme de Rondó na versão em português, mas como li primeiro em italiano, vai ser difícil deixar de chamar Cosimo), filho do barão de Rondò, que se rebela e decide subir nas árvores para nunca mais descer, o que de fato acontece. Durante esse período em que Cosimo fica nas árvores (toda a sua vida), muitos episódios acontecem, e muitos personagens aparecem enriquecendo essa história principal com uma dezena de outras histórias.
Lastimavelmente, os vários episódios foram a minha maior perda quando "li" no original, e só agora consegui apreciar satisfatoriamente cada um desses episódios. Há a primeira saída de Cosimo no primeiro dia em cima das árvores, onde acaba conhecendo a marquesinha Viola, que é uma personagem importante em outros episódios mais a frente, e se ausenta em boa parte do livro.
Viola é talvez a personagem que mais amei no livro, e a que mais odiei também. Ela é cretina, ao mesmo tempo que de espírito evoluído. Faz o que quer, e manipula todos, desconstrói o racionalismo e a moralidade; Viola é talvez a personagem mais filosófica do livro, mais até do que o próprio Cosimo, e a mais amoral também, amoralidade essa que talvez seja um pré-requisito para a filosofia. Por falar em filosofia, Ítalo Calvino foi o primeiro a unir filosofia e literatura de uma forma a atrair o gosto dos mais jovens (antes mesmo de Joostein Gaarder, Yalom e outros), diferente de outros livros anteriores que são comumente tachados de chatos (como O Elogio da Loucura, A Peste ou Assim Falava Zaratustra). Em Calvino, a filosofia está sempre presente em cada parágrafo, episódio ou ação, sem contudo deixar o livro chato ou difícil de ler.
Dentre os episódios, um que possui grande destaque é o episódio do João do Mato (Gian dei Brughi no original, mas foi tão pouco marcante na primeira leitura que prefiro o nome brasileiro), que quando li em italiano tudo que consegui absolver foi que João era um ladrão que abandonou o crime pelos livros e foi enforcado, porém o episódio é muito mais belo e profundo que somente isso. Não quero explicar todo o episódio, e no lugar disso coloco apenas a cena da morte de João, que é uma das melhores cenas que já li em livros, ao lado da cena do Penteado (Dom Casmurro), da cena do Enforcamento de Desdêmona (Otelo) entre outras.
O processo foi demorado; o bandido resistia ao cerco da corda; para fazê-lo confessar cada um de seus inúmeros crimes eram necessários dias e dias. Todo os dias, antes e e depois dos interrogatórios ficava escutando Cosme, que continuava a leitura. Terminada Clarisse, sentindo-o um tanto triste, Cosme achou que Richardson, para quem está preso, talvez fosse meio deprimente; e preferiu ler para ele um romance de Fielding, cujo enredo movimentado lhe compensaria um pouco a liberdade perdida. Eram os dias do processo, e João do Mato só tinha cabeça para os casos de Jonathan Wild.João do Mato é importante por toda a vida de Cosimo, assim como todos os acontecimentos e personagens do livro.
Antes que o romance fosse concluído, chegou o dia da execução. Na carroça, acompanhado por um frade, João do Mato fez sua ultima viagem como ser vivo. Os enforcamentos em Penúmbria eram feitos num alto carvalho no meio da praça. Ao redor, o povo fazia um círculo.
Já com a corda no pescoço, João do Mato ouviu um assovio entre os galhos. Ergueu o rosto. Descobriu Cosme com o livro fechado.
- Conta como termina - pediu o condenado.
- Lamento dizer, João - respondeu Cosme - , Jonas acaba pendurado pela garganta.
- Obrigado. O mesmo aconteça comigo! Adeus! - E ele mesmo deu um pontapé na escada, enforcando-se.
Por fim, O Barão nas Árvores é o segundo livro de uma trilogia composta por O Cavaleiro Inexistente e O Visconde Partido ao Meio, que também estão disponíveis em português pela Companhia das Letras e com tradução de Nilson Moulin. Agradeço ao profº Carlos Dias (UFPA) por me apresentar esse magnífico livro (e amaldiçoo-o por afirmar que era escrito em um italiano "fácil" de ler para quem não conhece a língua).
Nota do Elaphar: 9,8
Edição Lida (ita):
Calvino, Italo. Il Barone Rampante. 1ª Ed. Verona: Arnoldo Mondadori Editore, 1993.
Edição Lida (pt-br):
Calvino, Italo. O Barão nas Árvores. Trad: Nilson Moulin. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
Meu ritmo de postagem está meio fraco agora, mas espero melhorar em breve.
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