Tudo o que eu falei no outro livro do autor (Anima Animus) NÃO se aplica a esse livro aqui! Primeiro quanto à edição, que do primeiro livro foi caseira, enquanto a do segundo foi promovido pelo governo do estado (TO) e impresso em uma editora profissional (Kelps). Incrivelmente, a qualidade gráfica do outro livro supera muito a qualidade deste aqui. A começar pela capa, que não é nem um pouco interessante como a do outro livro (e a faixa branca não ficou legal). A diagramação das poesias também é bem fraca, pois a margem é muito distante do corte, que deveria dar um aspecto de "centralização" do texto, que não é atingido. Os títulos dos poemas não mantêm um padrão, e ora estão alinhados com a margem, ora centralizados, e algumas vezes até deslocados. Outra observação é que os títulos dos poemas têm a mesma fonte do título de livro na capa, que algumas vezes dificulta a leitura dos títulos, e é um ponto fraquíssimo do livro.
Outro ponto que difere esse livro do que foi resenhado anteriormente, é que ele contém lombadas, orelhas e prefácios, o que seria uma produção melhor, se... bom é melhor falar de cada um separadamente. A lombada possui o título do livro quase ilegível. A orelha da frente contém uma breve biografia do autor, que é bem sucinta e comum, mas faria um professor de português ou redação ter um ataque convulsivo, pois aparentemente não passou por nenhuma revisão, e o ponto mais gritante é a mudança de 3ª para 1ª pessoa. A orelha final é bizarra, pois onde deveria estar a análise básica da obra ou um elogio ao livro (no interesse de vendê-lo, pois a maioria dos leitores compra o livro pelas orelhas), diz apenas como o escritor é cachaceiro (é isso que aparenta, mas não conheço o escritor); não sou especialista em marketing, mas não acho que essa estratégia deve dar muito certo (eu pelo menos não compraria um livro com orelhas assim). Por fim, os prefácios são tão esclarecedores quanto as orelhas, e não me sinto à vontade para falar deles. Outra coisa que me saiu aos olhos foi a ficha catalográfica, que indica um livro de literatura brasileira, mas seu CDU indica um livro de literatura em língua inglesa.
Claro, a maioria dos leitores está pouco se lixando para esses detalhes, e o que interessa é o livro, não problemas de edição. Então vamos falar das poesias....
Também diferente do livro anteriormente resenhado (que é mais recente que este), O Bordado da Urtiga não possui um fio condutor, portanto suas poesias são mais variadas, o que tira o aspecto de uniformidade, mas garante uma leitura mais variada e menos repetitiva. Um ponto positivo desse livro é que muitas poesias são bem reflexivas, e muitas são bem bonitas.
A falta de um fio condutor nesse livro dificulta muito a análise do livro como todo, mas não torna-a impossível.O primeiro ponto a se notar é quanto ao refinamento técnico, que como o primeiro prefaciador citou (uma das poucas observações pertinentes, ao meu ver), "não é cult nem light". Há de certa forma um resquício de fio condutor em sua obra, que é desenganosa e pessimista, sem contudo ser de fato pessimista ou desenganosa (?). As personagens pré-prontas também aparecem nesse livro, porém com frequência ínfima. Diferente do que o segundo prefaciador quer mostrar, não há presente no livro características do futurismo, ou disposição tipográfica no livro com grande força ou base poética, mas, as poucas aparições tipográficas aparecem nas poesias de Gilson como característica auxiliar e secundária, pois em suas poesias a palavra é mais importante que a disposição das mesmas.
As poesias contidas em O Bordado da Urtiga não possuem grandes inovações poéticas, entretanto, parecem sinceras consigo mesmas, e são interessantes de se ler, o que é mais importante em um livro. Gilson não inova, mas é um bom poeta, e esse livro supera o Anima Animus, mesmo com seus defeitos de edição. A poesia que compõe O Bordado da Urtiga permite os vários passeios pelos sentidos que a compõe e pelos que não a compõe, o que permite a multiplicidade de leituras que a poesia exige..
Nota do Elaphar: 8,4
Edição Lida:
CAVALCANTE, Gilson. O Bordado da Urtiga. Goiânia: Kelps. 2009, 104p.
Outra observação nem um pouco importante: A edição contêm uma dedicatória ao Dênis, onde o autor o chama de "colcha de retalhos". Aparentemente é um elogio, mas não consigo apreender nenhum significado que não seja pejorativo para "colcha de retalhos". Aparentemente é uma expressão do Tocantins ou Goiás. Se o Dênis ou algum outro que soubre me dizer o que significa especificamente esse "colcha de retalhos" agradeço.
BÔNUS
Amolador de facas
O amolador de facas
não tem inimigos
e afia assovios breves
no círio dos pavios.
O amorador de facas
aponta estacas
nos limites da falha.
Vive de colher limalha
no esmeril do silêncio
e a des(a)fiar punhais no peito
do que se fez ausente.
O amolador de facas
adula a face da lima em cortes
para a carne que ele fatia.
O Círculo de Pólvora (II)
Chegou a hora
de ruflar os tambores
e convocar a tempestade.
Chegou a hora de provocar
a ira dos deuses.
A hora de acender
os pavios na pólvora
da palavra
e cuspir a lavra de fogo
no algodão do verso
naufragado.
Chegou a hora
para a voz do nada,
o sentido anti-horário
do calendário de pedras
no bico das gaivotas.
A hora revolta das águas
sobre as labaredas da utopia,
o instante do fim que não principia.
Chegou a hora marcada
para o encontro com o silêncio:
hiato onde Deus ensaia
seu beijo em minha boca
profana a bocejar violetas
no pomar de borboletas.
Sombra das sobras
A sombra que em mim sobra
são vestígios de asas.
O resto é outono
no gesto das mariposas.
Tudo que em ti
sobra
é sombra antes
do apagar das luzes.
A vida aqui virou
vaga-lume.
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