domingo, 6 de fevereiro de 2011

Diário da Ilha - Lindanor Celina

Ah Lindanor! Heroína de minha terra... Peço logo que a maioria de vocês desconsiderem algumas das observações que farei, pois é difícil resenhar objetivamente afetado pelas emoções. Palavra de fã não conta.

Assim como A Viajante e Seus Espantos, Diário da Ilha é um livro de crênicas de viagem, entretanto, mais do que outros livros do tipo, o "Diário" de Lindanor realmente se assemelha a um diário, o que foge ao padrão de crônica de viagem. Algumas crônicas do livro não contam acontecimentos, mas sim estados de espírito, sonhos ou pensamentos. Por conta disso, temos então um livro que é um misto de Crônica, Diário e Memória.

A primeira coisa que me chamou deveras atenção foi o fato de que Lindanor (assim como eu) coleciona sonhos (ou seja, escreve-os para não se perderem). Muitos sonhos estão presentes no livro. Segundo Freud os sonhos são uma manifestação do subconsiente, e, portanto, a melhor forma de conhecer os desejos e temores de uma pessoa, mesmo que o dono do sonho não as conheça (tá legal, Freud também disse que esses desejos são de natureza sexual, mas podemos esquecer essa parte né?). Portanto, os sonhos escritos são a forma mais fiel de Memórias (isso, supondo que os sonhos sejam reais, possibilidade que não descarto).

Como sou estúpido!!! Esquecir de especificar do que o livro trata... Tá legal. o livro foi escrito durante as viagens de Lindanor para a grécia, e mais especificamente para a ilha de Skyros. A autora relata sobre a geografia, topografia, cultura e episódios dessa ilha. É muito interessante que, diferente de outras crônicas de viagem que li, Lindanor descreve mais as semelhanças da ilha com seus países de origem (Brasil e França) do que as diferenças. Isso é bom porque nos faz sentir familiarizados com tudo o que é dito.

Há no livro uma riquesa de personagens (tanto nos acontecimentos "reais" quanto nos "sonhos") e acontecimentos. Os que possuem maior destaque por sua comicidade são: A empregada Niki e sua alopração, o jovem Kostákis e seus feitos, o casal de alemães e o caso da francesa Solange. Mas nem só de cômico se faz um diário: há no livro algumas questões reflexivas, outras culturais, mas todas bastante pessoais e verdadeiras, o que reforça ainda mais o tom memorialístico do livro. Se pudesse comparar o estilo de Celina com o de outra escritora, com certeza essa escritora seria Simone de Beauvoir (que a autora conheceu e é citada no livro, por coincidência).

Outra coisa que me chamou atenção: no livro aparece algumas informações relativas à disciplina de criação da autora, bem como alguns processos e pensamentos sobre alguns dos livros que foram escritos nesse período (75-87, acho que também não havia mencionado isso), entre eles o Pranto por Dalcídio Jurandir (que será resenhado em breve), Estradas do Tempo-Foi e outros livros que (até onde eu saiba) nunca foram publicados, podem ser manuscritos inéditos ou destruídos. Como estudioso da literatura, isso não deixa de me fascinar.

E por fim, embora o livro foi escrito entre 75 e 87, foi publicado apenas em 92 (talvez a autora não tinha certeza quanto a qualidade da obra, o que fica implícito no próprio livro), no ano que eu nasci. Pelos meus cálculos, talvez tenha sido editado no mesmo mês que nasci (junho) ou então julho. A capa, ao meu ver, é simples mas agradável, e a lombada, quarta capa e orelhas são excelentes. A qualidade gráfica é boa, apesar de uns errinhos tipográficos ou outro (que não compromete em nada a leitura). Segue um trechinho da obra aí:
Nem é pela paisagem amazônica — ou é? Certo é que estava eu cá sozinha nesta mesa na terrace deserta, todo mundo na sesta, Dimítrios veio lá de dentro, saudou-me, deu-me um impulso, levantei-me, pedi-lhe: "Tens vinho branco geladinho?" — "Tenho." "Um copito." E fui ver Maria cortar churrascos na cozinha. Ela ao ver minha cara perguntou, grave: "Que há, Celina?" Dimítrios quem respondeu: "Vai-se embora amanhã..." — aí virei o rosto para um lado e chorei curtinho, chorei debaixo dos ralhos de Maria, esta idem de voz mudada... Como diabo soube Dimítrios o que eu própria mal discernia? Aqui estou, com meu potiraki de vinhito cor de âmbar, retsina da boa, de tonel que, se não dá jeito, melhora. O jeito bem que sei, era ter coragem de largar o emprego, Lille, e vir para aqui um ano, dois. Não sou bastante artista para tal, pesar toda a minha loucura, meus pés são demasiado ancorados no chão. Embora ciente, ô quanto, de que só tenho esta vida a bem dizer finda, só estas migalhas por viver. Ainda assim, agarro-me aos cacos e vou emendando, repetindo o ramerrão.
         (Crônica de 87, Skyros, pg 236-237)
Essa resenha faz parte do Desafio Literário. Para conferir a minha lista do desafio clique aqui. Para conferir a lista de Fevereiro Clique aqui. Como o que é bom dura pouco, esse livro não é mais editado desde 1992, e, portanto, só se encontra em sebos. Clique aqui para procurá-lo na Estante Virtual.

Nota do Elaphar: 9,0

Edição Lida:
CELINA, Lindanor. Diário da Ilha. Belém: CEJUP, 1992, 239p.

9 comentários:

  1. Báh mas que preciosidade este livro, não conhecia mas já o inclui em minhas futuras leituras. E que belo texto produzistes, uma resenha de dar água na boca hehehehe
    estrelinhas coloridas...

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  2. Bem interessante sua escolha, eu realmente não conhecia este livro. Valeu

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  3. Não conhecia esse livro, já estou indo para o Estante Virtual. Ótima resenha.
    abs
    Jussara

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  4. - Mi Müller: Obrigado. Eu tentei ser o mais imparcial possível, mas não sei se consegui.

    - Mônica: Pouquíssimas pessoas conhecem esse livro, para falar a verdade. É um livro dificílimo de se encontrar e possuiu uma tiragem muito pequena (edição única).

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  5. É perceptível a paixão que tens pela obra da autora, e isso não desvaloriza a sua opinião. A meu ver, precisamos de leitores apaixonados. Também desconhecia a autora e sua obra, mas vou fuçar os sebos por aí também...Ótima resenha!

    Bjs

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  6. Que diferente esta maneira de contar uma historia, ate' uma histo'ria real. Gostei muito da sua resenha, vou anotar ....

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  7. A sua resenha é uma demonstração de apreço e carinho pelas palavras. Parece que estamos lendo com você.
    Parabéns pela escolha.

    Abs, Rê

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  8. Lindanor Celina é única em seu cronicar . E sua vivencia entre o Brasil- França , Portugal,a coloca para além do rotulo de regional, como vc. mesmo observou em sua resenha , as comparações são por semelhanças. O livro dentre muitas coisa, nos desperta a vontade de conhecer a ilha de Skyrois, e ser hospedes de Dimitrios e Voula , e saber do Kostas.

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