sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Livros que são missões de vida

Decidi fazer uma materiazinha hoje ao invés de resenha. Muitos acreditam que a leitura é algo que deva ser divertido, e na maioria dos casos, essa teoria é verdadeira. Mas nem sempre é assim. Alguns livros existem para nos desafiar, nosso tempo, nossa inteligência ou simplesmente nossa paciência. Alguns livros são uma missão de vida e não uma leitura básica. Alguns livros são tão complexos que você pode passar a sua vida inteira para decifrá-los e não consegue compreender uma linha, mesmo usando uma edição comentada. Tá legal, exagerei um pouquinho, mas algumas obras são mais ou menos isso. Vou separar as obras em 3 grandes grupos: Obras Eruditas, Grandes Sagas e Livros Sagrados.

Obras Eruditas
Há obras que são de grande complexidade simplesmente por serem escritas com um nível de erudição insuportável (e em alguns casos, prazeirosa simplesmente por isso mesmo). Mudanças de registro, pastiches, milhares de referências a outros livros e obras, arcaísmos, linguagem rebuscada, e muitos outros fatores podem afastar um livro de leitores mais desinteressados e aproximar de leitores eruditos. O que importa é que esses livros são de tão difícil compreensão que por alguns momentos acreditamos que o autor desafia a nossa inteligência. Eis alguns exemplos:

ILÍADA e ODISSÉIA - HOMERO
 Todos conhecem as histórias de Tróia, Odisseu, Aquiles, Helena, Páris e etc... Crescemos ouvindo essas histórias, e elas são revisitadas com muita frequência. Vemos milhares de filmes e adaptações, mas quantos de nós já leu ao menos uma das duas obras? Adaptações em prosa e infanto-juvenis não contam. A primeira grande dificuldade do livro: Ele está todo em verso, e todos sabemos que um poema é mais difícil de ler que um romance. E que tal um poema com milhares de versos? Fora o tamanho e o fato de estar em verso, a obra de Homero é complicadíssima, e é toda construida em cima de referências históricas e/ou mitológicas. E não ache que as referências usadas no livro são fáceis. Tudo isso faz ambos os livros serem praticamente impossíveis de se compreender sem uma boa edição comentada.

OS LUSÍADAS - CAMÕES
Camões é (com seu "Os Lusíadas") considerado o maior clássico da literatura em língua portuguesa, entretanto, além de clássico, é uma das obras de maior erudição já escrita em língua lusitana. Além das infindáveis referências mitológicas (algumas bastante obscuras), há uma série de referências históricas (como a viagem de Pedro Álvares Cabral pelo cabo das tormentas) ou bibliográficas (livro de crônicas, chorographia, livros do império romano, bíblia sabrada e etc..). Por exemplo: "Que quer fechar o Mar Mediterrano/Onde o sabido Estreito se ennobrece/Co extremo trabalho do Tebano." (Canto III), você sacou que Camões está falando sobre o Estreito de Gibraltar?

GRANDE SERTÃO: VEREDAS - GUIMARÃES ROSA
Grande sertão: veredas é talvez a mais erudita obra Brasileira (e incrivelmente popular). Além de seu tamanho (o livro espanta quem não tem o hábito de ler livros com mais de 600 páginas), a complexa técnica rosiana (neologismos, referências, mudança de registro e etc..) complicam muito a leitura, e a obra exige dedicação para ser ao menos brevemente compreendida.

ULYSSES - JOYCE
Ulysses de Joyce é tão complexo que faz o "Grande Sertão: Veredas" parecer "O Pequeno Príncipe". O primeiro detalhe importante a perceber é que TODO o livro (isso é... muuuiiiitttas páginas) contam a história de um único dia. Isso mesmo... um único dia. Outro detalhe é que o livro se usa de praticamente todas as técnicas de criação literária que eu conheço. Fora a comparação indireta desse dia narrado com a grande epopéia homérica. Lastimavelmente (e incompreensivelmente), toda essa sofisticação acaba fazendo esse livro ser odiado por uma grande quantidade de leitores e apreciadíssimo pela crítica.

A MONTANHA MÁGICA - THOMAS MANN


Esse é um dos maiores livros que já vi na minha vida, e disse certa vez (no desafio 30 livros em 30 dias) que sonho em ler esse livro. Há duas coisas que ainda não me permitiram ler "A Montanha Mágica". O primeiro motivo é o tamanho do livro, que é realmente muito gfrande (1000 páginas), o outro motivo é o plurilinguísmo do livro. Há páginas e páginas do livro em francês por exemplo. Só vou poder iniciar esse livro quando tiver poucos livros para ler, pois "A Montanha Mágica" exige dedicação exclusiva.

Grandes Sagas
Outras obras por sua vez nos desafiam no quesito tempo. Algumas obras são tão enormes que se dividem em vários livros volumosos (7,10,12,14), e fazem os livros de "O Senhor dos Aneis" parecerem brochuras. A maioria dessas sagas além de serem medonhas em tamanho, costumam ser tão difíceis de se compreender que as "Obras Eruditas".


EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO - MARCEL PROUST
O que você acha de 13 livros (ou 7 dependendo de como se divide) contando uma saga lenta e coberta de pensamentos filosóficos sobre a faculdade da lembrança? Pois é disso que trata "No caminho de Swann", "À sombra das raparigas em flor", "O caminho de Guermantes", "Sodoma e Gomorra", "A prisioneira", "A Fugitiva" e "O tempo reencontrado" (em divisão mais corrente, mas pode-se dividir o livro em 3,5 ou13). Entretanto, é uma obra estremamente interessante e bela, entretanto, ocupa uma boa parcela da sua vida para lê-la e outra boa parte (ainda maior) para compreendê-la em profundidade.

A SAGA DOS ROUGON-MACQUART - EMILE ZOLA
A saga dos Rougon-Macquart é a obra prima do escritor naturalista francês Émile Zola e contém "apenas" 20 livros volumosos. Os livros são: "La fortune des Rougon", "La Curée", "Le ventre de Paris", "La conquête de Plassans", "La faute de l'abbé Mouret", "Son excellence Eugène Rougon", "L'assommoir", "Une page d'amour", "Nana", "Pot-Bouille", "Au bonheur des dames", "La joie de vivre", "Germinal", "L'ouvre", "La Terre", "Le rêve", "La bête humaine", "L'argent", "La débâcle" e "Le docteur Pascal". Para agravar ainda mais a situação, nem todos os livros da série se encontram em língua portuguesa (ao menos um [Germinal] existe em nossa língua).

CICLO DO EXTREMO NORTE - DALCÍDIO JURANDIR
Escritor brasileiro ganhador do Prêmio Machado de Assis pelo Conjunto da Obra (ABL), que escreveu (talvez) a maior saga brasileira. O "Ciclo do Extremo Norte" se compõe de 10 romances que são respectivamente: "Chove nos Campos de Cachoeira", "Marajó", "Três Casas e um Rio", "Belém do Grão-Pará", "Passagem dos Inocentes", "Primeira Manhã", "Ponte do Galo", "Os Habitantes", "Chão dos Lobos" e "Ribanceira". Dalcídio (Junto com minha querida Lindanor Celina) já foi tema de diversos colóquios em outros países como por exemplo na frança. A complexidade da obra desse escritor é outra coisa que obriga uma dedicação ao ler qualquer livro da série (além do volume das obras).



Obras Religiosas

Não é preciso dizer da polissemia dos livros religiosos, pois, todos os livros são múltiplos. Entretanto, a polissemia nas obras religiosas é um problema muito maior que em qualquer outro tipo de livro. Além disso, a maioria dos livros religiosos possui uma variedade absurda de assuntos e narrativas, onde você mal compreende uma passagem, e a próxima é algo completamente diferente.

TAO TE CHING
Esse livro é bem curto comparado aos outros, entretanto, é talvez um dos mais complexos. A começar pela língua de origem (o Chinês), que pela concisão acaba por dificultar a vida de qualquer leitor, quanto mais aos tradutores. Duas traduções desse livro são tão diferentes entre si que são livros completamente diferentes.

BÍBLIA SAGRADA CRISTÃ
A rigor, a bíblia sagrada cristã não é um livro, mas 46 (ou 39 ou 51) no antigo testamento e 21 no novo testamento. O que chama a atenção em todos esses livros são a variedade de temas e estilos entre eles, possuindo livros mais narrativos (que se assemelham a romances) como Atos, Reis e Juízes; livros mais poéticos como Salmos e Provérbios; livros mais reflexivos como boa parte dos profetas e das cartas de paulo; livros com o código de leis da religião como parte de Deuteronômio, Levíticos e das cartas de paulo; e por fim alguns livros com informações genealógicas (como o primeiro livro de crônicas) e/ou recenceadoras (como boa parte de números). Outro problema que dificulta a compreensão íntegra da obra é o fato que ela é extremamente controversa em toda a sua extensão. Se diz-se algo em um livro, outro pode refutar o que foi dito (e as vezes essa controvérsia está no mesmo livro).

O ALCORÃO
Extremamente mal compreendido, poético, complexo e controverso. O Alcorão é uma compilação dos ditos de Maomé.

5 comentários:

  1. Adorei a matéria!
    Eu já me aventurei em alguns desses livros, mas o único que li integral foi o Grande Sertão.
    É difícil sentar pra ler alguma coisa mais erudita quando se é acostumado a romances mais lights, mas quando a gente termina, a sensação é de uma conquista enorme!

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  2. Arrasou!!! Muito bom seu post, adorei! Com toda a razão, são livros belíssimos, com histórias maravilhosas, mas dificílimo de ler. Já me aventurei em algun deles pois a curiosidade em conhecê-los foi maior que a preguiça, kkkk. Li Homero com a ajuda de muitos livros em volta, já nem lembro mais quais foram, mas sei bem que tinha um bom dicionário e um bom de mitologia; Os Lusíadas, foi na época da faculdade, com a história de Portugal ao lado e bom dicionário, a gente tira de letra;Grandes Sertões: Veredas, é meio difícil,mas “nonada”compensa tudo; Adoro o Naturalismo, por isso sou fã no. 1 de Zola, porém, só li Germinal ano passado, gent,e é muito bom, muito bom. Mas acho que você deixou passar uns vários de nossa língua portuguesa, mas me lembrei bem de um que é considerado muitttttttttto difícil: Os Sertões. Gente, esse é um pecado ler. Obrigada por me fazer lembrar de todos eles.

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  3. - Monica da Costa: Muito obrigado! Também concordo com você. Quanto mais difícil a leitura, maior a sensação de conquista.

    - Mônica: Muito obrigado, e quanto à "Os Sertões", decidí colocar apenas o mais representativo livro erudito brasileiro (Grande Sertão), além do que, não achei "Os Sertões" tão difícil assim. De Zola ainda não li nenhum, mas estou lendo Germinal (em francês).

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  4. Jaime Pereira de Lucena , Filho.12 de março de 2011 às 23:18

    Congratulações pelas belas obras escolhidas. Gostaria de lembrar que a saga dos Rougon Macquart foi toda traduzida para o português em belíssima edição da Cia Brasil Editora, nos anos de 1955 e 1956. Podendo ser encontrada nos sebos, via Estante Virtual. Um fraterno abraço. Jaime, siderado por livros.

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  5. - Jaime: Obrigado pela informação. Não sabia que toda a saga dos Rougon Macquart havia sido traduzida. Já procurei na estante virtual, mas nunca havia achado todos, mas pela editora fica mais fácil. Um abraço.

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