quarta-feira, 15 de junho de 2011

Obras Literárias de Bento de Figueiredo Tenreiro Aranha

Bento de Figueiredo Tenreiro Aranha é considerado o primeiro poeta do norte do Brasil. Nascido no Pará (em uma região que hoje pertence ao estado do Amazonas), foi um poeta do Neoclassismo brasileiro (ou Arcadismo) que teve sua obra publicada apenas parcialmente e postumamente. Seu filho publicou o que sobrou da obra de Tenreiro Aranha (depois de uma série de acontecimentos que destruiu parte da obra do poeta) apenas bem depois da morte do escritor, e posteriormente, o estado do Pará republicou as Obras Literárias do escritor, onde encontra-se a poesia e teatro de Tenreiro Aranha.

Poesia de Tenreiro Aranha
A poesia de Tenreiro Aranha não é surpreendente, assim como não é surpreendente toda a poesia brasileira árcade. Tenreiro Aranha é um imitador dos clássicos, especialmente de Píndaro.

De píndaro Tenreiro tira a "forma" da maioria de suas odes (algumas intituladas "Ode Pindárica"), que são pindáricas de forma e conteúdo. Vê-se também a poesia laudatória de Píndaro também nos sonetos do poeta paraense, que na maioria das vezes são para louvar uma obra ou uma personalidade (política, militar ou religiosa). Seus melhores poemas são os sonetos, já que Tenreiro Aranha não tem muita habilidade com poemas muito longos (geralmente são cansativos em demasia).

Apesar de compor muitos poemas para "puxar o saco" de personalidades, alguns de seus versos possuem merecimento, assim como a maioria de seus poemas não laudatórios são belas poesias. Interessante é que, apesar de Árcade, em algumas ocasiões seu metro é um pouco irregular (principalmente nos acentos), mas essas irregularidades não são comuns. Eis dois poemas que exemplificam a poesia lírica de Bento de Figueiredo Tenreiro Aranha:
Soneto
(Em louvor a Casa para depósito de pólvora construída em uma das margens do rio Aurá)
Do sacro Olímpo os deuses superiores,
Vendo já terminada a empresa clara
Que ao Aurá dá valor, e à nós ampara,
Lhe dão justos, magníficos louvores:

Juno louva a grandeza e seus primores,
Minerva admira a estrutura rara,
E Marte ali depósito prepara
De instrumento fatal de seus furores:

A mesma branda Vênus, e o Cupido
Se alegram (quem tal crera!) e para vê-la
Lindos ranchos já sei que vem trazido.

Só Jove não aplaude obra tão bela,
Por que já do seu raio retorcido
O Pará se não teme, depois dela.
Soneto
(A um passarinho, quando o Autor sofria vexações)
Passarinho, que logras docemente
Os prazeres da amável inocência,
Livre de que a culpada consciência
Te aflija, como aflige ao delinquente.

Fácil sustento, e sempre mui decente
Vestido te fornece a Providência;
Sem futuros prever, tua existência
É feliz, limitando-se ao presente.

Não assim, ai de mim! Porque sofrendo
A fome, a sede, o frio, a enfermidade,
Sinto também do crime um peso horrendo.

Dos homens me rodeia a iniquidade,
A calúnia me oprime; e, ao fim tremendo,
Me assusta uma espantosa eternidade.
Teatro de Tenreiro Aranha
O teatro de Tenreiro Aranha é, decerto, muito mais interessante que sua poesia (mas não "melhor" necessariamente).

É importante lembrar que o "Teatro Brasileiro" só irá surgir muitos anos após a morte de Tenreiro Aranha (em 25/09/1811), e ainda assim, as condições para a realização de uma apresentação teatral minimamente "aceitável" só irá aparecer no Auge da "Era da Borracha" (a belle époque amazônica). Apesar disso, várias apresentações teatrais "populares" (para não dizer de qualidade apresentativa duvidosa à la teatro elisabetano) aconteciam, seja no teatro municipal como nas ruas ou próximo aos rios.

Tenreiro Aranha (na verdade seu filho) foi o primeiro que publicou algumas dessas obras teatrais. O teatro de Tenreiro Aranha é bastante primitivo, usa de poucos recursos cênicos (nada de cenários elaborados ou grandes ações, é basicamente apenas declamação de poesia), e possui uma inconstância interessante: alguns momentos uma boa apresentação lírica, outras vezes cansativo, mas quase sempre ininteligível teatralmente.

Assim como sua poesia, seu teatro é basicamente laudatório. Um exemplo é essa cena da "peça" Os Pastores do Amazonas, que procura enaltecer o nascimento da neta do Rei do Brasil (assim como o aniversário do rei):
(Fragmento da 2ª Cena)
[...]
    ELISA
Salve Breno..
    BRENO
Adeus, prezada Elisa,
Dize-me, acaso foram tuas vozes
Sempre doces, mas hoje mais suaves,
As que, soando neste bosque umbroso,
Suspenderam os Zéfiros, e foram
Despertar meus sentidos, que em sossego
À sombra do arvoredo repousavam?
Dize, amável Serrana; e se tu foste,
Contínua a cantar, que dos raminhos
Já pendem para ouvir-te os passarinhos.
    ELISA
Não, Breno, eu não fui, nem sei quem fosse
D’entre nossos Serranos, que pudesse
Cantar tão digna e tão suavemente.
O mesmo assombro, que essa voz te causa,
Também sentido, venho diligente
A causa examinar. Em nossos campos,
Repara, meu Breno, neste dia,
É tal a amenidade, que parece
Que a mesma natureza alegre vejo.
Tudo prazer respira, os ares puros,
Os velhos troncos com viçosas flores,
Os doces passarinhos gorjeando,
Tudo, tudo denota neste dia
Não sei que novo gosto.
    BRENO
                  Sim, Elisa,
Os Deuses nos protegem certamente,
E nossos ledos e ditosos campos
Hoje parecem deles Habitados
    CORO (dentro)
Do largo Amazonas,
Felizes pastores,
Soltai doces vozes,
Ornai-vos de flores;

Fazei memorável
Tão ditoso dia,
Celebrando o Nome
Da Excelsa Maria

Nele dois presentes
O Céu nos envia;
Celebrai o Nome
Da Excelsa Maria
 Além d'Os Pastores do Amazonas, há outras duas peças dramáticas de Tenreiro Aranha no mesmo livro: "Drama Pela Fundação da Casa Para Depósito de Pólvora no Rio Aurá" e "A Felicidade do Brasil", ambos em um só ato.

O "Drama Pela Fundação da Casa Para Depósito de Pólvora no Rio Aurá" é uma peça de apenas três personagens praticamente sem ação cênica (apenas declamação), onde o Gênio Tutelar do Pará conversa com uma Ninfa do Amazonas e o Aurá. É um texto bastante simples com um ou outro verso de valor, mas a maior parte do texto é cansativo e repetitivo.

"A Felicidade do Brasil" é um drama bem interessante, com uma representação cênica bem mais elaborada, com atores indo e vindo de dentro e fora da platéia, terminando com os atores escrevendo mensagens em pilares que se erguem. A temática é ufanista. O motivo da composição foi o aniversário do Principe Regente do Brasil, e a peça foi encenada no dia 13 de Maio de 1808. É uma obra que possui algum valor, retirando-se os longos períodos de enaltecimento do Príncipe:
   GÊNIO DO BRASIL
                                   Ninfa bela,
Inda não sabes tudo; eu tenho ainda
A revelar-te novas, grandes coisas:
Saberás pois que neste mesmo Dia,
Dia brilhante memoravel, fausto,
Para bem do Brasil, e para glória
Dos humanos, do mundo inteiro digo,
Nesceu esse bom Príncipe adorado,
Que por Senhor, e Pai tu reconheces;
Hoje renova alegre o Sol luzente
O seu Aniversário majestoso;
 Apesar de todas as deficiências (e elas são muitas), a obra de Tenreiro Aranha possui alguns momentos de grande lirismo, seja na poesia lírica, seja na teatral. Podemos também justificar algumas deficiências devido o problema estrutural do teatro e da literatura brasileira da época.

Esse livro (ou parte dele) é um livro bônus do Desafio Literário do mês de Junho. Não é um livro fácil de ser encontrado (pois está esgotado a muito tempo). Pode ser conseguido com maior facilidade em sebos ou em alguma biblioteca.

Nota do Elaphar: 8,1

Edição Lida:
TENREIRO ARANHA, Bento de Figueiredo. Obras Literárias de Bento de Figueiredo Tenreiro Aranha. Belém: SECULT; FCPTN, 1989, 171p. (Lendo o Pará, v.1)

Um comentário:

  1. Mais novidades para a gente...obrigada pelas escolhas que sempre acrescentam...É muito bom vir aqui.

    ResponderExcluir

Related Posts with Thumbnails