Machado de Assis é sem sombra de dúvidas o maior nome de nossas letras, e, apesar de ter escrito em praticamente todos os gêneros literários conhecidos (do romance ao libreto de ópera, da crônica à tradução), é basicamente conhecido pela tríade Romance, Conto e Crônica. Se na resenha de Ocidentais tentei mostrar a poesia desse grande escritor, procuro agora mostrar outra parte de sua obra relegada ao esquecimento: o teatro.
Toda grande nação possui um grande escritor do gênero teatral, ou é isso que a história literária nos diz. A grécia possui Sófocles e Eurípedes, a Inglaterra possui seu Shakespeare, a Alemanha seu Hofmannsthal e seu Goethe (além dos libretistas, como Wagner), portugal seu Gil Vicente e seu Camões. Apesar de muitas vezes a arte dramatúrgica ser considerada de segunda importância (até pelos próprios escritores), o teatro é uma das mais magníficas formas da literatura. O Brasil, lastimavelmente, não possui uma tradição teatral histórica. O teatro brasileiro surge muito tardiamente, influenciado fortemente pelo teatro francês. Até mesmo o Shakespeare que era representado em nossa terra no século XIX era um Shakespeare afrancesado (baseado em imitações neoclássicas de Dulcis), e não o Shakespeare elisabetano.
Assim como em outros países, no Brasil grandes escritores escreveram também para teatro (como José de Alencar e Machado de Assis). A obra teatral do grande mestre Machado é julgada geralmente inferior ao restante de sua obra, e não posso dizer que isso não é verdade, mas também não é culpa unicamente do escritor: todos os dramaturgos brasileiros desse período sofriam do mesmo mal, ou a peça era ruim ou não era "encenável".
A obra teatral de Machado de Assis, como afirmou Quintino Bocaiuva, é mais para ser lida do que para ser encenada. Lição de Botânica não foge à essa máxima, apesar de ser, dentre as peças de Machado, a mais "encenável" (embora seria muito mais sem graça do que no papel). Lição de Botânica conta a história de três moças (Dona Leonor (irmã mais velha), Dona Helena (irmã mais moça, viúva) e Dona Cecília (sobrinha)), o Barão Segismundo de Kernoberg (sueco, botânico) e Henrique (sobrinho do Barão, não aparece na peça).
Cecília e Henrique possuem um "rolo" (se é que existia isso na época, mas é o que me parece), e o Barão, amante da ciência, quer que toda a família das moças se afaste, já que casamento não combina com a ciência. O Barão faz o pedido à D. Leonor (o pedido de afastamento), e acaba esquecendo um livro na casa das moças. Cecília fica triste, e Helena têm um plano para o Barão cancelar sua decisão. Ao buscar o livro Helena procura falar sobre seu interesse em botânica, e o Barão, interessado, lhe propõe dar algumas Lições de Botânica. Daí aparece o diálogo central e mais incisivo da narrativa:
D. HELENA - Só uma coisa lhe acho inaceitável.Se você leu esse diálogo até o fim já sabe tudo o que vai acontecer. Helena aparece para a lição, o Barão fica confuso, cancela a lição, vai à casa de D. Leonor pedir a mão de Cecília para seu filho e a de Helena para si próprio. Previsível, chato e cliché. O livro termina com a fala de Helena (de gosto discutível): "Não se admire tanto, titia; tudo isto é botânica aplicada.".
BARÃO - Que é?
D. HELENA - A teoria de que o amor e a ciência são incompatíveis.
BARÃO - Oh! isso...
D. HELENA - Dá-se o espírito à ciência e o coração ao amor. São territórios diferentes, ainda que limítrofes.
BARÃO - Um acaba por anexar o outro.
D. HELENA - Não creio.
BARÃO - O casamento é uma bela coisa, mas o que faz bem a uns, pode fazer mal a outros. Sabe que Mafoma não permite o uso do vinho aos seus sectários. Que fazem os turcos? Extraem o suco de uma planta, da família das papaveráceas, bebem-no, e ficam alegres. Esse licor, se nós o bebêssemos, matar-nos-ia. O casamento, para nós, é o vinho turco.
D. HELENA (erguendo os ombros) -Comparação não é argumento. Demais, houve e há sábios casados.
BARÃO - Que seriam mais sábios se não fossem casados.
D. HELENA - Não fale assim. A esposa fortifica a alma do sábio. Deve ser um quadro delicioso para o homem que despende as suas horas na investigação da natureza, faze-lo ao lado da mulher que o ampara e anima, testemunha de seus esforços, sócia de suas alegrias, atenta, dedicada, amorosa. Será vaidade de sexo? Pode ser, mas eu creio que o melhor premio do mérito é o sorriso da mulher amada. O aplauso público é mais ruidoso, mas muito menos tocante que a aprovação doméstica.
BARÃO (depois de um instante de hesitação e luta) - Falemos da nossa lição.
D. HELENA - Amanhã, se minha tia consentir. (Levanta-se). Até amanhã, não?
BARÃO - Hoje mesmo, se o ordenar.
A sensação que tive ao ler o livro: se eu tivesse lido só esse fragmento aí em cima saberia toda a história e não teria perdido nada (ou seja, li o livro inteiro em vão). Esse é o tipo de texto que só se mantém vivo por ser de um grande escritor (nesse caso: Machado de Assis), mas é uma obra que não vale a pena retirar do esquecimento, não acrescenta em nada a obra do grande mestre. Ah, e o livro têm umas duas referências diretas ao teatro francês (Musset) e uma certa semelhança com as primeiras comédias de Shakespeare. De resto, não recomendo nem um pouco, mas se tiveres vontade de ler, o livro é pequeno mesmo.
Esse livro faz parte do Desafio Literário do mês de Junho. Para conferir a lista do desafio clique aqui. O livro é fácil de ser encontrado, costando em qualquer edição da Obra Completa de Machado ou de Obras Teatrais. Também está disponível gratuitamente em uma infinidade de páginas na internet, já que o texto está em Domínio Público.
Nota do Elaphar: 7,8
Edição Lida:
MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria. Lição de Botânica. in: Obra Completa. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Disponível em: http://machado.mec.gov.br/images/stories/html/teatro/matt10.htm .
Desconhecia as obras teatrais do Machado. Mesmo não ousando muito, Machado escreve como poucos. E a linguagem desse trechinho aí é bem poderosa. Porque não pode ser encenada? Não a vejo pouco representável. Mas como não entendo patavinas de teatro mesmo...posso estar dizendo besteiras.
ResponderExcluirAbs
O maior problema da Obra Teatral do mestre Machado é que em poucos momentos podemos ver passagens com todo o vigor do conciso estilo machadiano (como é o caso do trecho que transcrevi, que além de resumir toda a obra é seu momento máximo). Em geral há falta de vigor na dramaturgia de Machado de Assis.
ResponderExcluirQuanto à encenabilidade, Lição de Botânica é justamente a mais "encenável" peça machadiana que eu conheço. A não encenabilidade se aplica mais à outras obras (como Os Deuses de Casaca ou Tu, Só Tu por Amor).
Além disso, devemos também considerar como o teatro brasileiro funcionava à época (mal), o que redime de certa forma Machado e outros escritores do período (como Alencar). A literatura brasileira evoluiu muito no final do século XIX, mas a dramaturgia demorou mais tempo... não é a toa que o primeiro Shakespeare elisabetano só surgiria no Brasil em 1933 na tradução de Tristão Cunha.
Elaphar, aprendi mais um pouco sobre Machado de Assis, autor de quem gosto muito, embora dele só tenha lido "Memórias Póstumas de Brás Cubas".
ResponderExcluirEstou adorando esse desafio, pq aprendo e descubro acima de tudo! :)
Parabéns pela resenha e obrigada por nos apresentar Machado escrevendo teatro!
Abraço!
Fui a Helena em uma peça de encerramento de ano letivo em 1967 no Colégio São Marcos, que tinha teatro como atividade educativa. A professora se chamava Aída e até hoje guardo essa experiência com muito carinho. Esse colégio ficava na Praça São Salvador, no Rio de Janeiro e hoje não existe mais. A professora gostou tanto do meu desempenho, que quis me levar para o Tablado, mas minha mãe não deixou. Só Deus sabe o que estaria reservado para mim.
ResponderExcluirParabéns pelo artigo!
ResponderExcluirConteúdo muito bom e de fácil entendimento!
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