quarta-feira, 16 de maio de 2012

Lamentações de Jeremias - Anônimo

Mais um livro lido da Bíblia Cristã, dessa vez para o desafio Literário, em sequência à leitura do Livro de Jeremias, lido em Fevereiro. Esse é um dos menores livros da primeira parte, e não é própriamente histórico, mas construído em cima de um acontecimento histórico e catastrófico para o povo hebreu, que foi a destruição da nação de Israel e exílio na Babilônia. Já é um hábito, mas só para alertar vai o tão repetido aviso:
Alerta importante: Eu estou lendo os Lamentações de Jeremias como um texto LITERÁRIO, não RELIGIOSO. Qualquer personagem, acontecimentos e até mesmo Deus estão sendo vistos aqui como PERSONAGENS e TRAMAS literários puramente. Não está em cheque a religião, mas somente a literatura.
Não consigo compreender como nunca havia lido esse texto. É um dos menores da Bíblia, situado entre os livros proféticos, no entanto ficaria mais bem situado entre os poéticos, assim como os Salmos de Salomão. Sem dúvidas é o livro mais poético e mais assustador que já li dessa compilação.

O livro começa falando sobre a destruição da terra de Judá, assim como vai narrando com poeticidade e crueldade incomum toda a desolação, material e espiritual, do povo. O assassinato dos reis, dos velhos; a expulsão, o exílio babilônico, a escravidão e fome do povo, entre outras catástrofes, narradas de modo quase apocalíptico. A narração, a todo o momento, vem coberta de uma crítica agressiva contra Deus, que causou toda essa destruição, escravização e violência.

O livro é profundamente ambíguo. Por um lado o povo compreende sua culpa, mas critica Deus pela punição e por não lhes dar ouvidos. O povo compreende a piedade e miséricordia divina, mas Deus também possui ira tão infinita quanto misericórdia. O próprio conceito de misericórdia vem como ira impiedosa contra os inimigos.
Quem poderá falar e fazer acontecer, se o Senhor não o tiver decretado?
Não é da boca do Altíssimo que vêm tanto as desgraças como as bênçãos?
Como pode um homem reclamar quando é punido por seus pecados?
Examinemos e submetamos à prova os nossos caminhos, e depois voltemos ao Senhor.
Levantemos o coração e as mãos para Deus, que está nos céus, e digamos:
"Pecamos e nos rebelamos, e tu não nos perdoaste.
Tu te cobriste de ira e nos perseguiste, massacraste-nos sem piedade.
Tu te escondeste atrás de uma nuvem para que nenhuma oração chegasse a ti.
Tu nos tornaste escória e refugo entre as nações.
Todos os nossos inimigos escancaram a boca contra nós.
Sofremos terror e ciladas, ruína e destruição".
Lamentações 3:37-47 (Nova Versão Internacional)
 Ou então:
Olha para eles! Sentados ou em pé, zombam de mim com as suas canções.
Dá-lhes o que merecem, Senhor, conforme o que as suas mãos têm feito.
Coloca um véu sobre os seus corações e esteja a tua maldição sobre eles.
Persegue-os com fúria e elimina-os de debaixo dos teus céus, ó Senhor.
Lamentações 3:63-66 (Nova Versão Internacional)
 É um dos mais contundentes livros sobre a ira de Deus e a ira contra Deus. Muitas de suas passagens são assustadoramente belas, o que é muito comum na escrita de textos em tempos difíceis, como o Salmo 137, as poesias de Paul Celan ou os textos do nosso período ditatorial.

Há no mínimo algumas coisas interessantes que mostram, entre outras coisas, a diferença radical entre o pensamento judaico e o cristão. Pode-se perceber por exemplo que não se culpava algum Diabo todo o mal do mundo, principalmente porque aos judeus a ideia de Diabo era estranha, no entanto, todo o mal do mundo era causado pela ira divina. Deus continha todo o bem, tal qual continha todo o mal. O mal era muitas vezes até necessário, não só como punição, mas como disciplina. Percebe-se nas Lamentações essa dualidade do mal.

As lamentações diferem significativamente de capítulo a capítulo, e como as traduções da bíblia, tradicionalmente, buscam conservar prioritariamente o conteúdo "conceitual" e pouco buscam traduzir o estilo (só sei de um caso diferente, que é as transcriações bíblicas de Haroldo de Campos), pouco podemos prever do belíssimo estilo original que esses poemas contém. Uma verdadeira pena.

Sem dúvida é um exelente livro, que deveria ser lido por todos, independente da crença religiosa ou arreligiosa. É fácil de ser encontrado, pois se encontra em qualquer Bíblia Cristã ou Tanakh judaico. O número de traduções é tamanha, e as diferenças entre elas também.

2 comentários:

  1. Uau! Muito boa essa resenha. Aguçou a minha curiosidade. De fato, não teria pensado em um livro da Bíblia para o tema. Gostei da escolha e vou ler com certeza.

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